UM JANTAR ROMÂNTICO: Nunca uma manhã foi tão límpida. Ele dormia nu e sossegado, no sofá da sala, alheio ao ruído cavernoso que os dois leões faziam na rua. Fedra, a gata, pediu leite e resolvi nessa exacta altura atirá-la pela janela. Os leões pareceram surpreendidos. A leoa agarrou-a primeiro e sacudiu-a como um gato faz a um rato. O leão trincou os quartos traseiros de Fedra e arrancou-os, engolindo-os. Olharam para cima, para mim; eu olhei para ele: continuava a dormir, agora levemente agitado, como se pressentisse um pesadelo. Estava certo. Fui à cozinha e preparei um pequeno-almoço que levei para o quarto: ovos à piemontês - tinha guardado as trufas para uma ocasião especial - e um tinto tunisino que ele me tinha trazido. Vesti calças caqui e camisa da mesma cor, calcei sapatos leves ( os caçadores africanos não usam botas), abri a porta da rua e acendi um cigarro para verificar a direcção do vento. O fumo corria para a porta. É nesta altura que o coração nos pula nos ouvidos e perguntamos por que razão não ocupamos o nosso tempo a vender seguros. Tarde demais, os leões já subiam as escadas do prédio. Recuei uns metros e fechei-me no quarto. Pelo buraco da fechadura pude ver a aproximação dos grandes gatos. Foi simples. Ele acordou no momento em que a leoa lhe arrancava um pé. O leão não lhe deu tempo para um grito teatral: já com ele caído no chão, ferrou-lhe os belos dentes amarelos na base da nuca e só se ouviu o som de um galho seco a quebrar. Depois comeram, refastelados, começando pelos intestinos. No meu quarto, provei os ovos. Precisavam de sal, mas ocorreu-me que não deveria ir á cozinha nesse momento. Quem come quer sossego.
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