A ATLANTIZAÇÃO DO NARCOTRÁFICO (I): Um dos problemas da mudança de contexto da produção de droga neste início de século prende-se com a alteração das rotas. Terão por certo reparado no espectacular aumento de apreensões de cocaína em Portugal - a Espanha está na mesma situação - e talvez se recordem da actualização que já aqui fiz: a ex-África Ocidental europeia ( Marrocos, Senegal, Cabo Verde, entre outros) constitui hoje um eixo privilegiado de escoamento para as cidades europeias da cocaína sul-americana. No outro lado do globo, a produção afegã de ópio cresceu brutalmente nos últimos dez anos , sendo que o Afeganistão detem agora cerca de 80% do total mundial. Isto obriga a pensar na alteração de hábitos de consumo e como sempre na História das drogas, na modificação das rotas de tráfico. Estamos a falar, segundo o UNDOC, de um mercado de 200 milhões de consumidores, representando 5% da população mundial compreendida entre os 15 e os 64 anos. Deste total, 14 milhões consomem cocaína e 11 consomem heroína. É claro que podemos objectar que estes cálculos pecam por defeito. Sabemos que a perspectiva é optimista através da constatação das áreas de cultivo para o arbusto de coca, que é neste momento um recorde absoluto: em 2004 calculavam-se 24.000 hecares de arbusto de coca na Bolívia, 80.000 na Colômbia e 50.300 no Peru. O aumento justifica-se pela sede europeia, a nova rota é atlântica. Na zona dos países do Golfo da Guiné foram apreendidas em 2004 14 toneladas em trânsito para a Europa. Em Setembro de 2005, um navio com 3 toneladas foi interceptado ao largo de Cabo Verde. A rota atlântica tem-se imposto como natural, a geografia dando a mão ao narcotráfico, como é habitual. No Afeganistão, os EUA enterraram em 2005 mais de 780 milhões de dólares para combater a produção de ópio, sem sucesso. A heroína afegã, transformada na Turquia, Uzbequistão e Turquemenistão, não segue só para a Europa rica, onde o seu consumo tem declinado, substituido pelo da cocaína e sintéticos.. A Rússia é o alvo: 6 milhões de heroinómanos contabilizados em 2005. Como é bom de ver, se os números do UNDOC que citei estivessem certos, só a Rússia seria responsável por quase metade do total de heroinómanos do mundo. A combinação deste factos explica a importancia da rota atlântica:
1) Ela é neste momento constituida pelo eixo Colômbia-Resto da América do Sul- África Ocidental- Península Ibérica.
2) Ela serve (quase) exclusivamente para tráfico de cocaína.
3) Ela conta com a Mauritânia, Gana, Nigéria, Senegal e Cabo Verde como principais pontos de transição para o seu destino final.
Para próximo post, a análise deste esquema: o papel desempenhado pelos africanos, o tipo de transporte, as políticas de recepção.
Fontes directamente citadas: Relatórios anuais ( 2005) do UNDOC e do INCB.
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