REFORMAS: Todos nós temos aquele momento em que começamos a pensar na reforma e eu não sou assim tão diferente do resto das pessoas. É um momento que pode iniciar-se de várias formas, seja por um acréscimo inusitado de cabelos brancos ou por uma queda precipitada dos pretos; por uma visita mais infeliz que se fez ao médico amigo ou por um amigo feliz que partiu de vez do médico sem nos vir visitar; seja por uma data ou fase importante do crescimento dos filhos ou pelos cadilhos inerentes a uma data de trabalho importante em fase de crescimento - não interessa: há sempre uma altura em que se começa a pensar mais na reforma e o momento político-económico do país não ajuda a que se pense nisso sem alguma apreensão.
Confesso que ainda não sei muito bem como se irá pagar a minha reforma mas vou-me divertindo delineando as formas que terá de assumir: será ao ar livre! Terá um mínimo de terreno livre de telhas para que os meus olhos cansados possam descansar sem as ditas, sem varandas, vivendas, marquises e outras construções desumanas que pululam pelas nossas paisagens portuguesas. E essa vista suave terá de ser encontrada pelo menos a partir da cozinha, toda envidraçada, da sala e do meu quarto. Mas deverá ser próxima de um lugar civilizado e com bons acessos para que os filhos possam vir facilmente cravar os velhos pais e provar o apurado dos refogados feitos com tempo e sossego. E com eles os netos e os amigos de todos.
Indispensável o alinhamento rigoroso de um pomar saboroso, com frutas a sério a cheirar seriamente a fruta e suficientemente perto de casa para que se possa, lá pelo fim da manhã, ir sem cana pescar da árvore mais próxima o limão mais reluzente e sem que, na sala sossegada, se derreta no copo alto o gelo antecipadamente posto para o Bombay Sapphire matinal... Servido o qual servirá de confortante companhia para uma vagarosa passeata pela bicharada: devidamente escondida das autoridades nacionais e europeias, a galinhada alegre a que, no devido momento, se cortará o pescoço para as saborosas cabidelas (na altura proibidas) que animarão saudáveis e estrelados serões. Lá, mais ao fundo, os anafados requinhos que possibilitarão a anual matança secreta (ela também proibida), aí pelo carnaval. Os coelhos em que tropece e sobre os quais caia e quebre o pescoço serão igualmente convidados para o tacho e servidos sobre torradinhas finas, com molho espesso e batatas cozidas com pele. E para colorir tudo couves, repolhos, grelos, alfaces, tomates - todos a saber ao que devem saber.
Será uma agradável casa de campo, como desejava a Elis Regina, carregadinha de livros e discos, onde eu possa em silêncio esperar os limites do corpo e, finalmente, de cuca legal. Mas dispenso a esperança de óculos porque detesto que me mexam nos olhos. Dispensaria ainda a nefasta televisão, não fossem os noticiários e a necessidade (que antecipo) de rever pela enésima vez as séries do Jerry Seinfeld. Fundamental, no entanto, a presença de um bom rádio, que tanta e tão boa companhia me faz nestas noites em que sonho, imagino, vejo e escrevo estas coisas sobre a reforma.
Por falar nisso, há gente com sorte: estão ali a dizer numa estação qualquer que o Rui Costa vai para o Benfica.
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