A COCAÍNA "AFRICANA", O JORNALISTA E O INSPECTOR: O Público da passada quarta-feira dedicou duas páginas ao tráfico de droga e fez uma pequena entrevista a José Braz, director do DCITE da PJ. O jornalista estava intrigado com as apreensões de cocaína "que chegam à Europa em voos provenientes de países africanos". José Braz reflecte sobre a possibiidade de os traficantes contarem com algum relaxamento alfandegário devido ao facto de alguns desses "países manterem grandes afinidades com países europeus". José Braz acaba por afastar essa possibilidade ( felizmente), mas não nos brinda com um átomo de pensamento sobre o assunto: ou não o tem ou guarda-o para si. Em todo o caso, é uma pena. O envolvimento da África Ocidental no fornecimento de cocaína à Europa já aqui foi tratado em diversas ocasiões, mas parece ser possível ajudar o inspector Braz e o jornalista do Público. O processo não é assim tão recente. Em Fevereiro de 1996, numa audiência perante o House Banking and Finantial Comittee do Congresso norte-americano, Harold Wankel, da DEA, discorria sobre lavagem de dinheiro em África. Wankel explicava aos membros da Comissão que, durante toda a década de 90, a Nigéria se tinha especializado na lavagem do dinheiro do tráfico de heroína afegã, criando um pipe-line da droga para a África do Sul. Wankel fez, nessa altura, um aviso: os nigerianos estavam a lançar as bases de uma futura cooperação com os carteis colombianos e brasileiros de cocaína. Isto não deve espantar ninguém. A Nigéria foi, no contexto do tráfico de droga, tradicionalmente activa: nos bons velhos tempos em que a Inglaterra dominava o comércio mundial do ópio, os nigerianos aprenderam muito sobre as funções de entreposto. Mais recentemente, as ligações à heroína asiática - em 1999, juntamente com o Gana e a Polónia, a Nigéria fornecia 37% da heroína necessária aos ingleses - ensinaram ao africanos as bases do ofício. Por outro lado, uma boa parte das antigas e experimentadas redes berberes de tráfico de haxixe começaram a ser usadas para o tráfico de cocaína. Resta saber por que motivo a África Ocidental é hoje uma etapa na viagem da cocaína sul-americana para a Europa. Antonio Mazzitelli, responsável do UNODC em Dakar, numa entrevista à Reuters ( salvo erro em Dezembro do ano passado), resume a coisa : polícia ineficaz, redes criminosas bem estabelecidas e corrupção generalizada. Mas não só. O repouso dos contentores de cocaína nos portos de Cabo Verde, Senegal, Marrocos ou Nigéria, é fácil e barato. Permite o estudo conveniente das melhores formas de fazer chegar a droga à Europa, sobretudo a Portugal , Espanha e Holanda. A ocasião faz o ladrão, e talvez as pessoas já não se recordem dos tempos em que tomar banho nos Açores significava chocar com fardos de cocaína. Quer isto que as redes africanas encontram, por exemplo em Portugal, as mesmas condições de que Mazittelli falava. Dir-me-ão: "mas a nossa PJ é muito eficaz e aí estão as enormes quantidades de cocaína apreendida para o provar". Rectificação: a nossa PJ está agora a ser eficaz. O narcotráfico provoca e depois reage: desde o início do século que a ligação portuguesa se faz sossegadamente e só agora enfrenta problemas. Também à memória faz bem recordar que uma dada quantidade de droga apreendida num determinado país e num determinado período, corresponde a um terço do total de droga em circulação durante esse mesmo período e nesse mesmo país. A quem este raciocínio possa causar estranheza, recordo que a capacidade de produção de cocaína é imensa, pelo que a apreensão de 10 ou 20 toneladas é relativamente inócua para o traficante. Sobretudo se significar que outras tantas chegam ao seu destino...
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