NEM POR ISSO: O assunto transcende a bola, é mais de carácter retórico. Hoje, nos jornais, Rui Marques e Carlos Santos voltam a pegar na coisa. De que se queixa esta boa gente? Que estamos num estado tal de acefalia que quem ousa criticar Scolari e a selecção é logo acusado de anti-patriotismo pelos unanimistas patrióticos das bandeirinhas de ocasião. Não digo que tal não ocorra, mas não me parece ser esse o osso. Vamos por partes:
1) Scolari é criticado, e violentamente, desde 2003. Houve quem classificasse a prestação portuguesa no Euro 2004 como suficientemente negativa para implicar a demissão do seleccionador (Pinto da Costa) ; houve quem dissesse, num alarde de génio matemático, que só ganhámos três jogos nessa competição ( Miguel Sousa Tavares). Nos jorrnais e nos shows tele-futeboleiros, Scolari é regularmente vergastado. Escapa-me como é que isto configura qualquer espécie de unanimismo norte-coreano.
2) Quanto aos patriotas de ocasião, não poderia estar mais de acordo com o enfado que provocam em qualquer cabeça arejada. Mas o mundo da bola sempre foi assim: a selecção é vivida como um clube e, como é natural, os tiffosi vestem-se dos pés à cabeça e dizem baboseiras. Ainda não escavacam estações de serviço nem declaram certas zonas de certas cidades como propriedade privada.
3) O mais interessante, por estranho que possa parecer, é verificar uma evidência: quando se acha que uma pessoa é burra, incompetente e mal formada, é muito difícil aceitar que essa pessoa possa fazer um bom trabalho. Isto parece-me, repito, evidente. Na actual situação só temos duas alternativas: ou desejamos ter razão, e isso significa prever que as coisas vão correr muito mal à selecção; ou desvalorizamos sistematicamente os eventuais bons resultados obtidos pelo imbecil. A primeira alternativa é estranhamente difícil de assumir, talvez por causa de uma réstia de patrioteirismo. Já a segunda é naturalmente mais fácil. O Blasfémias, por exemplo, classificava o Irão e Angola como as "duas piores selecções do Mundial": assim mesmo, sem tirar nem pôr. Outro exemplo que retive foi a propósito das folgas dos jogadores: Scolari era tido como um moraleiro autoritário, mas depois foi largamente criticado quando disse que não tinha o direito a imiscuir-se naquilo que os jogadores fazem nos seus dias livres. Desqualificação, sempre.
4) Termino com uma declaração de interesses. Não aprecio o estilo do homem nem concordo sempre com as opções que toma ( talvez isto me livre da acefalia anunciada); aprecio os resultados que o homem consegue e aprecio o fim do regabofe na selecção principal. Não consigo imaginar muitos daqueles que detestavam o estilo de Mourinho, a trocá-lo por Couceiro ou Toni. Como me costumava dizer um amigo, "um homem pode ser um cabotino e um bom treinador de futebol."
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