DESABAFOS DE FÉRIAS 3: Uma das piores coisas que se pode sentir em férias é o abafo. Não falo daqueles textos insossos e repetitivos de quem se queixa do proletariado em férias. O meu problema é o abafo que nos desencoraja de levantar logo às 10 da manhã e que nos faz temer a cama quente às 4 da noite (não confundir com o calor do sol que tem instinto cénico e desaparece quando deve). O João Pinto e Castro pôs um quadro terrível de Van Gogh sobre o abafo. O azul não consegue romper o céu amarelo-branco-laranja e espalha-se, como chumbo, pela terra ocre. As árvores contorcem-se, numa dança lancinante, como se tentassem aspirar a última gota de água ou, talvez, desenraizar-se e ir. Mas quem melhor conseguiu desenhar o abafo foi Loustal, nos vários Carnets e, também, em Barney et la Note Bleue. É difícil superar aqueles rostos momentaneamente imóveis (a fixidez não é, em Loustal, uma pose, ou duração, mas um instante fotográfico, um fragmento de acção enigmático que não permite antecipar o próximo), cobertos de gotas de suor quase sólidas. E as ventoínhas omnipresentes, que ajudam a criar esse efeito de suspensão em cada quadro. Neste hotel, durmo com uma ventoínha sobre o corpo inteiro, pregada no tecto, a tentar enganar o abafo com o seu zumbido tropical e uma vaga deslocação de ar abrasador pelo quarto. Chego a ter saudades do último Agosto em Manaus. E a ventoínha transforma-se, de quando em vez, na hélice do avião que num qualquer Inverno me levará a Ushuaia.
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