A CULPA É DO MENSAGEIRO?: Vai por aí uma celeuma curiosa por causa de um "parecer" do Prof. Gomes Canotilho que, segundo consta, se pronuncia no sentido da inconstitucionalidade formal do Decreto-lei que pune a corrupção desportiva, devido a deficiências da respectiva Lei de Autorização. Sempre que surgem processos mediáticos, despontam vários especialistas, juristas e não juristas, nas matérias controvertidas: há um par de anos floresciam os entendidos sobre o regime da prisão preventiva e do segredo de justiça, hoje dedicados à popular questão das inconstitucionalidades formais. Claro que, como também é costume, quase ninguém se preocupa em saber o que efectivamente diz o "parecer", nem em entender o problema, para então fazer os seus "comentários". Convém não esquecer que os órgãos a quem a decisão sobre a eventual inconstitucionalidade pertence em exclusivo - os tribunais - ainda não se pronunciaram sobre o assunto. Uma alegação não é, ao contrário do que por aí se faz crer, uma self-fulfilling prophecy. Depois, como deveria ser evidente, a responsabilidade pela eventual inconstitucionalidade desta lei e suas consequências cabe, inteirinha, ao Estado, e não ao acusado e à sua defesa: ao Estado que, através da Assembleia, aprovou uma lei deficiente; que, através do Governo, aceitou legislar a coberto dessa lei inválida; que, por omissão do Presidente da República, não suscitou preventivamente o problema perante o Tribunal Constitucional; que, através dos tribunais, aplicou já a dita lei, sem identificar a invalidade; que, através do Ministério Público, não recorreu das decisões onde a lei foi aplicada, arguindo a inconstitucionalidade da mesma. O problema é que todas estas entidades são demasiadamente abstractas, e distantes no tempo (as leis são de 1991), para lhes podermos assacar a nossa frustração. É muito mais fácil apontar o dedo a nomes e a pessoas presentes. Alguém se lembraria, em próximas eleições, de brandir, como argumento político, "V. é um incompetente, porque votou aquela lei inconstitucional"? E, por isso, porque a responsabilidade política do mau funcionamento das instituições nunca será cobrada, continuaremos a querer imolar o mensageiro e a eleger alegremente incompetentes que nos governem.
Adenda: ver também os comentários do carteiro, anteriores a este post, aqui.
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