QUANDO PASSAR A TORMENTA: Em geral, leio o João Gonçalves com gosto e proveito. Porém, toda a gente tem maus momentos, e este post destoa no Portugal dos Pequeninos. Não pelo título, evidentemente: às vezes é bom falar assim. Mas porque, ao contrário do habitual, as emoções levam o JG pelo caminho mais fácil. Mistura um caso concreto com a lei aplicável, fazendo do todo um bolo que leva à generalização do título: "vão-se foder" os magistrados que investigaram e decidiram, os técnicos da segurança social e quem fez uma lei que permite estas decisões. Creio que é este o sentido do desabafo. Eu não conheço os pormenores do caso e, por isso, não posso falar sobre a decisão. Mas, nunca tendo pertencido a um "gabinete", faço parte da "gente cinzenta e sem mundo" que projectou, durante dois anos, o tal regime "insano". E não estou preparado para "me ir foder" assim sem mais. Ao contrário do que o JG escreve, a lei vigente não trata os autores do homicídio em causa como "crianças em perigo". Esse era, de facto, o regime que vigorava até à entrada em vigor da Lei Tutelar Educativa (LTE - 1999), no domínio da chamada Organização Tutelar de Menores (1962 e 1978), que seguia um modelo de protecção absoluta (sobre isto, e sobre todo o problema da justiça de menores em Portugal e sua evolução, pode ver-se António Carlos Duarte-Fonseca, Internamento de Menores Delinquentes. A Lei Portuguesa e os seus Modelos, 2005). Aí, sim, era verdade que o sistema tratava os menores de 16 anos autores de "crimes", inimputáveis por força da lei penal, da mesma exacta forma que tratava os menores vítimas de crimes - nomeadamente, internando-os nas mesmas instituições. O que a Lei Tutelar Educativa pretendeu foi, precisamente, acabar com essa indistinção, separando, por via de princípio, os casos dos menores em perigo (vítimas de violências, abusos, abandono, etc.) dos menores de 16 anos responsáveis pela prática de "crimes", por se entender que o sentido das duas intervenções do Estado haveria de ser, em regra, diverso. Na altura da apresentação do Projecto, a LTE foi duramente criticada por vários sectores da justiça, nomeadamente pelas magistraturas, por - dizia-se - querer instituir um "código penal dos pequeninos". Valha a verdade, algumas dessas críticas vinham de quem nem sequer tinha lido o Projecto com o mínimo de atenção exigível. Claro que se pode discutir o modelo em que assenta a LTE, semelhante ao de muitas outras leis europeias contemporâneas (p. ex., a espanhola). Há, seguramente, quem pretenda regressar ao modelo de protecção e à sua justiça opaca e não procedimentalizada, e ao poder arbitrário dos agentes do Estado sobre a vida das pessoas. Haverá outros para quem se deveria acabar, pura e simplesmente, com o limite etário da inimputabilidade, para assim se poder aplicar penas criminais aos menores, seguindo o modelo inglês - quem não se lembra da condenação, num tribunal criminal comum, de Jon Venables e Robert Thompson, de 10 anos de idade, a penas de prisão perpétua por terem morto James Bulger, de 2 anos? Tendo sido libertados aos 18 anos, ambos estão sujeitos a uma life licence (uma espécie de liberdade condicional perpétua). Tudo se pode discutir - quando cessarem os estados de alma e, sobretudo, sem que alguém tenha, necessariamente, que "se foder".
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