SERINGAS NAS CADEIAS (II): No início dos anos 90, trabalhei no projecto-piloto de troca de seringas em farmácias patrocinado pela Comissão Nacional de Luta Contra a SIDA, na altura presidida pela Prof.ª Odete Ferreira. O projecto abrangeu o concelho de Coimbra e foi orientado pela drª Teresa Nunes Vicente, que coordenou uma equipa de técnicos do CAT de Coimbra e da ARS, também de Coimbra. O projecto correu melhor do que se esperava - todas as farmácias acabaram por aderir - e foi depois extendido ao resto do país. Durante todos estes anos, não tive conhecimento de qualquer farmacêutico que tenha sido picado pela seringa suja de algum drogado alucinado. É verdade que o alargamento do programa de troca de seringas ao resto do país deveria ter sido acompanhado de muitas outras medidas, o que teria evitado a triste situação portuguesa de infecção por HIV em utilizadores de drogas injectáveis. Mas isso é outro debate. O projecto de Coimbra funcionou bem por causa do profissionalismo da equipa ( que não integrei) que o preparou . Os farmacêuticos e ajudantes de farmácia foram ouvidos e ouviram. Longas horas se gastaram. O governo só conseguirá ultrapassar resistências - as naturais e as artificiais - se fizer um trabalho de formação com os guardas prisionais, como aconteceu na Alemanha e na Suiça. O ponto de partida tem de ser este: onde já existem seringas, normalmente sujas, passarão a existir seringas limpas, com vantagens para toda a gente, incluindo os guardas prisionais. O ponto de chegada é mais difícil: tal como pude constatar nos anos em que trabalhei na unidade de desintoxicação do CAT de Coimbra , existe uma enorme incompreensão em muitos sectores profissionais face "ao dinheiro que se gasta com os malandros dos drogados". No caso das cadeias, não se pense que se pode mudar a janela. Determinação política e capacidade em gastar as horas que forem precisas com os guardas, primeiro; fazer-lhes ver que a segurança de quem trabalha nas prisões é mais importante do que opiniões discutíveis sobre o problema da droga, depois. Não sei o que irá acontecer, mas é curioso constatar que Portugal dispõe de um ambiente favorável à implementação da medida. Quando em 1994, Simone Veil lançou a França na política de redução de riscos, teve de enfrentar uma longa tradição de política de droga severamente restritiva. Mas a ministra colocou em primeiro lugar a saúde pública e a responsabilidade do Estado. Nós, neste momento, nem precisamos de mandar às urtigas a coerência. A menos que se faça o mais fácil ( despenalizar o consumo e não formar especialistas em escolas públicas) e se queira meter na gaveta o mais difícil.
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