NÃO FAZ PRISIONEIROS ( a saudade) : Trigeu quer subir até aos deuses, montado num escaravelho, para implorar a Paz, mas a Guerra já tem um almofariz. Hermes explica que no almofariz ela vai esmagar as cidades. Esta comédia de Aristófanes sempre me fez lembrar, absurdamente, um sentimento individual: a saudade. Como a guerra, a saudade tem um enorme almofariz onde somos esmagados, metodicamente, à medida que os anos passam. Como Trigeu, também pedimos aos deuses alguma coisa de impossível. É um trabalho para eles, afastar o desejo de rever, tocar, cheirar. O queremos é não sentir; não temos estômago para mais.
Respiro fundo, olho para os relexos da lua no rio ou no mar... não sei, estou no limite.Ou talvez sejam os reflexos do sol. São reflexos, apenas reflexos, de mim, dos meus olhos que eu quero bem fechados.
Caio em mim e sinto-me destituída de afectos e pudores. Tal predadora que olha furtivamente a presa e, sem dó, consome-a barbaramente. E aqui o que é bárbaro perde o sentido, é o instinto que comanda, anulando toda e qualquer ordem racional que se espere.
Não sou vítima de nada nem de ninguém, apenas um ser que desafia a sobrevivência e nada mais, nada mais. Apenas um Ser, ainda ser, mesmo que movido pelos mais sádicos ou masoquistas instintos. Não sei. Egocentrizo-me, sinto-me assim, poderosa, sem dor nem dó. Eis-me aqui. Somente assim. Não é assim que gostam mais de mim?
Não tenho lágrimas, não preciso de afectos e nem os tenho, sequer, para retribuir. E sinto a supremacia da ausência de sentidos e sentimentos em mim.Terei atingido a perfeição, segundo os ditâmes da razão do meu mundo, o meu mundo actual? Aquele que se quer pragmático, politicamente correcto e o mais possível alheio a emoções?
Se sim... aplausos para mim, muitos mesmo, preciso deles como de pão para a boca, tal como alguém dizia, porque sempre cantou fados, esse fado faduncho tão nosso, tão lusitano... e viva a globalização dos meus sentidos!
De olhos bem fechados. Imagino e quero assim. Agonizo, porque não. Eu não sou mesmo nada assim. Vou continuar de olhos bem fechados... que culpa tenho, se o meu coração quer permanecer aberto?
Isto é com toda a certeza um problema de adaptação ao meu mundo, global e cada vez mais cheio de nada.
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