A NOITE E O SOL: Uma das razões que me levou a deixar de comprar o Expresso, há uns anos atrás, foi a progressiva deterioração da qualidade dos editoriais, com José António Saraiva à cabeça. Hoje comprei, pela segunda vez, o Sol, e, logo na página 3, lembrei-me por que tinha deixado de comprar o Expresso. JAS escreve mais um texto ordinário sobre o problema do aborto e da sua descriminalização. Intitula-se "Uma cultura da morte" (sem uma única referência, aliás, a quem celebrizou a ideia e a expressão), e a frase que aparece sob a fotografia do bébé sorridente é "A esquerda deveria estar hoje a debater a morte ou a interessar-se pela vida?". Segundo JAS, o primeiro culpado é o País, em geral. É preciso "promover os nascimentos" e apregoar que o melhor do mundo são as crianças - e... que faz o País? Promove? Apregoa? Não: "em lugar disto (sic), discute-se o aborto. Discutem-se os casamentos de homossexuais (por natureza estéreis). Debate-se a eutanásia. Promove-se uma cultura da morte". Este primeiro trecho é de elevada complexidade: repare-se, em particular, no "em lugar disto" - como se fossem problemas alternativos - e na associação dos casamentos de homossexuais com "o aborto" e "a eutanásia": tudo sob o signo da "cultura da morte". Depois vem a conspiração da dissolução dos costumes por trás do aborto: "o que está em causa é uma desculpabilização do aborto, para não dizer uma promoção do aborto. Tal como há uma parada do 'orgulho gay', os militantes pró-aborto defendem o orgulho em abortar. Quem já não viu mulheres exibindo triunfalmente t-shirts com a frase 'Eu abortei'?" Sim: quem não viu? E daí? Temerá JAS que, caso a descriminalização vingue, essas t-shirts se multipliquem, na rua, nas escolas, nas igrejas - cada vez mais triunfalistas? É ao sofrimento desse espectáculo que JAS quer ser poupado? Nos países onde o aborto é permitido de forma mais ampla, é usual organizarem-se paradas anuais das abortantes, tipo Abortion Pride? E isto tem, verdadeiramente, alguma relevância para o assunto? Na última secção vem a pergunta mais ordinária do editorial: "será que a esquerda, ao defender o aborto, a adopção por homossexuais, a liberalização das drogas, a eutanásia, quer ficar ligada ao lado mais obscuro da vida?" A ideia de dar uma vida melhor a uma criança, seja qual for a orientação sexual do(s) adoptante(s) - pertence "ao lado mais obscuro da vida"?! O não querer prolongar um sofrimento atroz e inútil - pertence ao "lado mais obscuro da vida"?! Independentemente da posição que se tenha sobre os assuntos, esta não é uma forma digna de discuti-los. Não sei o que a "esquerda" quer. Mas espero que não queira ligar-se ao lado mais brilhante da vida, tal como a vê o editorialista do Sol: um lado onde estas chatices são meras sombras de outros, tão outros que nem nos tocam.
Embora de forma áspera e cruel, JAS (de cuja escrita e "doutrina" não sou particular adepto) diz o essencial sobre os nossos tempos, na Europa e em Portugal: (quase) toda a legislação, regulamentação e promoção é negativa, destruidora, asfixiante! Não se vive em serenidade, mas em stress; não se apela à compaixão, mas à competitividade; não se procura o bem, mas o mal menor; não se educa, "instrói-se"; não se combate a pobreza nem a solidão, antes se desertifica e exclui-se; não se cria riqueza, reduz-se despesa; não se poupa, gasta-se; não se valoriza a vida, facilita-se a morte...
Eu, no único assunto em que sou pelo sim é no referendo do aborto.
E só que lamento, é que façam render o peixe para as próximas eleições.
O mais adequado era juntarem logo tudo no mesmo voto. E aí também não tinha dúvidas- era sim para abortar tudo por junto.
A lógica do voto não é a questão. É apenas saber-se que vai haver quem vote.
Por mim, escolho um sacana que dá à sola e deixa à rapariga a tarefa de abortar, e ainda vai votar contra o aborto, para lhe neutralizar o voto.
Nos restantes basta escolher outro ódio de estimação e fazer o mesmo: um pedófilo panilas que vota sim, leva com a neutralização do meu voto pelo não. Um tarado do admirável Mundo Novo que quer um mundo com médicos transformados em carrascos por conta, leva outro não.
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