O SANEAMENTO DE FRANCO: Depois de a Universidade de Santiago de Compostela ter retirado o título de doutor "honoris causa" a Franco, o Prof. Doutor José Manuel Pureza, da Faculdade de Economia, defendeu que a Universidade de Coimbra deveria "seguir o exemplo da sua congénere", em termos que o jornal As Beiras relata do seguinte modo: "José Manuel Pureza frisou que aquele grau honorífico da instituição, fundada há 716 anos pelo rei D. Dinis, deverá galardoar homens que se distinguiram pelos grandes valores do humanismo e da decência universal. 'Manifestamente, não é este o caso de Francisco Franco', sublinhou". Vital Moreira (aqui e aqui), José Medeiros Ferreira, Paulo Dá Mesquita e o meu amigo José Mouraz Lopes já comentaram variamente o mesmo assunto. Um doutoramento "honoris causa" é um acto de reconhecimento de homens feito por homens, no contexto específico da Universidade e dos valores com que ela se identifica, e não pode deixar de participar do momento histórico em que é praticado. Todavia, não sendo uma santificação, deve ser tendencialmente irreversível, porque o seu sentido inerente é o de um juízo definitivo sobre os méritos do agraciado, da mesma forma que não é possível retirar o grau de doutor (comum) a quem o obteve (salvo, talvez, casos excepcionais de fraude). Por isso é que os doutoramentos "honoris causa" são escassos, e não devem ser atribuídos de ânimo leve. Como não consta que a personalidade e a acção de Franco fossem desconhecidos no momento em que o grau lhe foi atribuído, não se pode falar de "fraude". Por outro lado, sendo ainda (talvez) admissível revogar o grau quando o homenageado passe a ofender de forma grave e reiterada os valores que nele se louvaram, há que fazê-lo imediatamente, para vincar bem a relação entre os dois termos. De maneira que retirar o grau honoris causa a Franco, em 2006, só pode ter um significado: pretender que esta Universidade não é a "outra" que o atribuiu, sobrepondo, para todo o sempre, o juízo presente ao juízo passado. Em minha opinião, seria um erro grave. Desde logo, porque o tal juízo que se pretende definitivo passaria a ser meramente provisório ("rebus sic stantibus"), levando até a questionar o próprio sentido da existência do grau. Mas, sobretudo, porque nega a dimensão histórica e humana da Universidade, com as virtudes e defeitos inerentes, e denota uma grande dificuldade em compreender a Universidade como instituição una e multímoda. Muito mais útil que uma Universidade asséptica, é assumir a história como ela foi (e não reescrevê-la à nossa medida). E, já que falamos de Universidade, aprender: haverá certamente candidatos que não se distinguirão pelo "humanismo e pela decência universal" nos próximos 716 anos.
A ruptura com o passado não muda a história, dignifica-a. Só isso justifica o pedido de desculpas do Papa pela Inquisição, dos Alemães pela Holocausto e de tantos outros envergonhados com o passado das suas instituições. Claro que há limites de razoabilidade e esses prendem-se com a importância que os actos têm "de per si". O título de doutor "honoris causa" vale o que vale, i.e. muito pouco. É um acto que dignifica essencialmente a Universidade que o concede com o prestígio do distinguido. A memória do acto perde-se muito antes do desaparecimento do homenageado. Sendo uma minudência concordo contigo, não vale a preocupação! Já a Ponte Salazar...
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