MEU CARO PEDRO: Não vale a pena lembrarmo-nos da nossa idade. Deve ser por causa dela que eu estarei meio caduco e não percebi bem o chorrilho de perguntas com que me inundaste. Fui até rever o que tinha escrito pois pareceu-me que um de nós não estava a ver bem a coisa. De onde foste tu tirar essa bizarra ideia de que "os movimentos pró-vida" deveriam ter feito alguma coisa "pela punição do aborto"? Que história é essa?!?...
Os movimentos pró-vida são grupos de associados, voluntários, completamente desinteressados, que se foram criando depois do último referendo e que se dedicam a apoiar as mães, a aconselhá-las a terem as crianças, a não porem fim às vidas intra-uterinas que têm dentro de si. Fornecem ainda a essas futuras mães berços, alcovas, carrinhos, cadeirinhas, fraldas, leite, tudo apenas com donativos pois, como sabes, muito recentemente o governo socialista decidiu retirar o apoio a estas organizações. E fazem-no sozinhos, porque, como também sabes, os diversos governos que se sucederam ao último referendo quase nada (ou nada, mesmo) fizeram para ajudar as mães que querem ter os filhos ou aquelas que estejam em dúvida.
Estes movimentos pró-vida são, na maioria das vezes, a única coisa que se interpõe entre a vida daquela criança (embrião, se te chocar eu utilizar o termo criança) e o aborto. Travam a decisão de abortar de uma mãe em desespero e, por isso, salvam muitas vidas: as das crianças e as das mães.
A função primeira e última destes movimentos pró-vida é, assim, salvar vidas, não pugnar pela punição do que quer que seja.
Desfeito este equívoco, o problema de votar SIM não tem a ver com a eventual despenalização (até às dez semanas, se feito em estabelecimento de saúde, pois de resto mantém-se a sanção penal, como frisou Vital Moreira há dias, declarando que o embrião deve ter protecção penal, mas só depois das dez semanas). O problema de votar SIM tem a ver com o facto do voto SIM permitir a mais completa liberalização do aborto, permitir o aborto a pedido pois, como tu tão claramente escreveste, a mulher passará a abortar "porque quer. É exactamente isso que sucederá".
Claro que nenhum de nós é ingénuo. A despenalização podia estar feita, a moldura penal podia já ter sido reduzida, o tratamento jurídico da questão podia ter sido outro como podia ter sido outra a pergunta a referendo, uma que da sua resposta positiva não resultasse o aborto livre. Acontece que não era essa a intenção do Bloco de Esquerda e os Socialistas foram, uma vez mais, atrás do BE.
Mas com o voto no SIM deixa a vida intra-uterina de ter qualquer protecção (até às dez semanas) e passa a mulher a ter um direito potestativo de decidir sobre essa vida intra-uterina, podendo livremente eliminaná-la. É isto que o voto no SIM possibilita e isto vai muito para além da simples despenalização.
Na verdade, o que resulta do voto no SIM é que o aborto passa a ser livre e a vida intra-uterina não tem qualquer protecção até às dez semanas. Este é o resultado do voto no SIM. Este resultado é mais do que tu queres. Este resultado é mais do que a maioria das pessoas quer. Este resultado não tem explicação alguma, não tem sustento nem fundamento.
Ora, se do voto no SIM o aborto livre passa a ser a solução, toda esta questão está muito mal colocada e pessimamente resolvida. Por isso digo NÃO.
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