"Se os cidadãos ainda parecem sensatos, os chefes vêm mergulhando numa enorme vileza"
( Teógnis)
Von Haffe foi o único vereador da oposição a marcar presença na comemoração dos cinco anos de mandato de Rui Rio, diz o "Público" de hoje. Não sei quem é Von Haffe - talvez descendente de alemães e talvez ex-colega de Rio no Colégio Alemão -, mas fez muito bem em ir à cerimónia: as oposições são para as ocasiões. Luc Ferry, companheiro de escrita de Comte-Sponville e de Alan Renaut ( com o qual escreveu um interessante "Heidegger e os Modernos" ), esteve lá. Não sei se repetiu uma sua velha ideia: nada é mais mediático do que uma crítica radical dos media *, mas, se o fez, Rio não deve ter gostado. Depois caiu numa outra "prancha" que lhe é cara: os políticos têm cada vez menos poderes por causa da globalização das finanças e da informação. Esta ideia parece-me ligeiríssima, ainda que, como julgo ter entendido, apenas aplicada ao dito mundo ocidental: A globalização começou no século XV e desencadeou comoções várias que culminaram numa industrialização que levou ao declínio da religião. Ferry sabe-o porque já o escreveu, daí a sua compreensão pela revolta romântica ( que Berlin descreve melhor...). O ponto é o do equilíbrio entre a ética e o exercício do poder, equilíbrio esse que Ferry acha hoje quase impossível por causa da vontade que os políticos têm "de agradar " ( e razão pela qual se dedica tanto a Maquiavel). Trocando por miúdos, voltámos aos tempos de Cléon, já aqui tantas vezes trazido pela mão de Aristófanes e da sua comédia " Os Cavaleiros". A chave da popularidade de Cléon é a ursupação da vitória em Pilos, à custa dos méritos da nobreza representada por Nícias. Cléon não era perigoso por querer agradar ao povo, era perigoso porque era do povo. Os políticos de hoje também vêm "do povo", não tendo na árvore genealógica o Duque de Marlborough ( como Churchill). Ferry diz que é preciso "dizer não", caso contrário o político assemelha-se aum surfista desastrado. Um episódio português revela que as cosias não são necessariamente assim. O povo português estava muito descansado quando o eng.º Sócrates lhe resolveu impingir o Euro-2004. Na altura Rui Rio disse um sonoro "não", mas luz cai sobre isto: o povo não tinha pedido Euro-2004 nenhum. Os políticos não são uns pobres escravos da mediatização e da rarefação dos seus poderes. O que se passa hoje, e não se passava na Atenas de Aristófanes, é que o povo, não participando nas grandes decisões, quer ser ouvido nas pequenas. Aqui Ferry tem finalmente o seu ponto: um político regional europeu pouco pode fazer para revitalizar a economia da sua cidade ou melhorar a educação dos seus cidadãos. Resta-lhe as pequenas coisas, nas quais está, evidentemente, refém da vontade popular que exige vingativamente pão e circo. Mas nada disto é obrigatório. Se um político se imaginar como pertencendo a uma elite obrigada a governar bem - ou seja, não se respaldar na limitação dos seus poderes para nada fazer a não ser jogos florais - sai do círculo da vileza. Rui Rio parece conseguir isto, desprezando os ganhos imediatos e transmitindo a mensagem de querer apostar nas questões estruturais. E, sobretudo, atraindo sobre si o ódio de grande parte dos media, consegue parecer o que quer ser: um político pas comme les autres.
* André Comte-Sponville e Luc Ferry , "La Sagesse des Modernes" Laffont, 1998, pp441.
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