SOL ENCOBERTO: Fico estupefacto perante o argumento de José António Saraiva (JAS), escrito no Sol. Diz JAS que o professor escorraçado da DREN não deveria referir-se em calão ao Primeiro-Ministro por este não deixar de ser, de certa forma, o seu "patrão" (aspas no original).
Imagino que JAS não se tenha dado conta de que o seu raciocínio faria emudecer uma imensidão de pessoas. Todos os funcionários públicos e todos aqueles funcionários que gravitam na órbita das centenas de empresas em que o governo estranhamente participa; acrescente-se-lhes ainda todos os trabalhadores da CGD (porque não, alguém tem dúvidas?) e, por força da golden share, a malta da PT, e muitos, muitos, muitos outros teriam de ficar calados para não ofenderem o "patrão".
Ora, o PM não é "patrão" de coisa nenhuma: o PM é quem as pessoas põem naquele lugar para as servir, não para ser servido. Pelo que, em verdadeira democracia (aquela em que JAS acredita), a generalidade das pessoas é que seria o "patrão" do PM, e não este seu "patrão".
É que mesmo vendo a situação pelo prisma pretendido por JAS, terá este último de reconhecer que o PM não é dono do país nem sequer o accionista maioritário: é um estranho posto no cargo pela maioria dos accionistas, accionistas esses que, a todo o tempo ou no tempo certo, o podem destituir do cargo. Por outras palavras, são os accionistas os "patrões" dele. E, assim, podem elogiá-lo ou vaiá-lo, mesmo que se discorde da utilização do calão (de resto, atento o calão utilizado, convém referir que o mesmo, em certas zonas do país e com determinada entoação, pode até constituir um rasgado elogio).
De outra forma, grande parte da população arrisca-se a ser ferozmente perseguida pelos Governadores Civis e sua trupe (como o de Braga, nos recentes episódios de Guimarães) aquando da inocente aposição das populares barbichas, bigodaças e corninhos nos cartazes de propaganda eleitoral. Leva com a pena capital o desgraçado do funcionário que for apanhado a escurecer um dente ao sorriso afável do patrão, perdão, do PM.
A inversão que JAS fez deste estado de coisas é, por isso, incompreensível (particularmente nele), e parece constituir apenas mais uma forma sub-reptícia e pobre de tentar legitimar certas atitudes censórias e persecutórias que este governo tem assumido, com a estranha conivência (até) de pessoas sérias (onde incluo, obviamente, JAS). É triste.
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