As guerras anglo-afegãs ( de 1839 a 1919), se bem que subordinadas ao Great Game ( ou Torneio das Sombras, na expressão mais elegante do Conde Nesselrode), estabeleceram sempre relações com a produção e tráfico de ópio. Já aqui trouxe o assunto numa perspectiva regional, hoje trago-o com mais pretensões. A segunda metade do século XIX não incluiu nenhuma tentativa organizada de limitar ou proibir a produção de ópio. Pelo contrário, o objectivo era produzir e negociar ópio. A Índia fazia na altura o papel do actual Afeganistão: entre 1880 e 1890 exportou para a China sete milhões de toneladas. A Pérsia beneficiou da normalidade restabelecida pelas vitórias inglesas sobre os chineses, passando a exportar em força para a Europa a partir de 1853. Os portugueses, em Macau, importavam de Malwa ( Índia), no início do século XIX, 300 toneladas por ano, números deveras emblemáticos da nossa capacidade empreendedora. Nas décadas que se seguiram, e até ao primeiro confronto sino-britânico ( 1840) , continuámos tranquilamente o nosso tráfico embora com dificuldades naturalmente acrescidas. Seja como for, Silveira Pinto, o Governador-Geral, proibiu Roberts e Shuck, famosos missionários protestantes (que se queixavam que o ópio tornava os chineses insensíveis aos ensinamentos de Cristo), de continuarem as suas prosélitas actividades no território. Naturalmente. Regressando ao Afeganistão, já terão reparado na coincidência das datas: a I Guerra Anglo-Afegã coincide com a I Guerra do Ópio. Os ingleses estavam preocupados com a incursão persa sobre Herat, porque os persas estavam sob influência russa. O Afeganistão passaria a ser uma via franca para as pretensões dos russos (sobre a Índia) que por sua vez estavam já no extremo norte do Kara Kum. Em Abril de 1830, regimentos bengaleses entravam em Kandahar e a 24 de Maio o aniversário da Rainha era celebrado com uma dose dupla de gin. A vida dos ingleses em Kandahar, na altura do Great Game, não foi problemática: não interferiram. Mas a rivalidade anglo-russa, sempre com a protecção britânica da galinha dos ovos de ouro ( o ópio indiano) no horizonte, levou ao fecho das rotas tradicionais de comunicação Herat-Peshawar e Kandahar-Bolan. O Afeganistão, convertido em estado-tampão, viu a prosperidade passar ao largo. A política imperial e o valor do ópio (cash-converter na China, nas imortais palavras de Jardine) transformaram um corredor comercial secular numa inóspita e empobrecida região. Muitos anos mais tarde, os afegãos dariam o troco... ( continua)
Bibliografia: variada, mas sobretudo P.Fay ( 1975) e Chouvy ( 2002).
Mar de opinioes, ideias e comentarios. Para marinheiros e estivadores, sereias e outras musas, tubaroes e demais peixe graudo, carapaus de corrida e todos os errantes navegantes.