Há coisa de um ano, a revista Atlântico publicou um pequeno artigo meu sobre as novas tendências da geopolítica das drogas ( não fiquei com um exemplar, por isso não sei o mês exacto). Nesse artigo, critiquei, como sempre tenho feito, a política do sr. Maria Costa, chefe do UNODC, classificando-a como fantasiosa. Noutros textos ( aqui no blogue) acrescentei que o senhor submete o UNODC às suas convicções ideológicas sobre o tema. Nenhum problema com isso, se o senhor retirasse as devidas ilacções e se demitisse. O assunto é, como terão calculado, o Afeganistão. No relatório intercalar sobre a situação afegã, publicado em Agosto de 2005, era tudo rosas. A política estava certa, o ópio ia ser erradicado lenta e inexoravelmente, os camponeses começavam a abandonar essa estranha mania de cultivar papoila, os pressupostos estavam certos. Não estavam, como eu e muitas pessoas tentaram demonstrar. O sr. Costa justificava a discrepância entre o seu discurso e a realidade com as maldades da natureza: tinha chovido muito, por isso a colheita não ia, afinal, ser tão baixa quanto ele pensava. O sr. Costa costuma abrir os relatórios anuais do UNODC com uma catilinária contra os que promovem a legalização das drogas como forma de combatero narcotráfico. E assim, agitando os fantasmas certos, recolhe ao seu gabinete para continuar a projectar asneiras. No novo relatório intercalar ( Afghanistan Opium Survey August 2007) o sr. Costa, confrontado com a realidade - produção recorde este ano -, não assume um erro de previsão, de estratégia ou de análise. Utiliza metáforas médicas ( "metástases") e diz agora que os programas de erradicação atingem sobretudo os agricultores mais pobres e mais velhos: em 2005 orgulhava-se desses mesmos programas de erradicação e elogiava sobretudo os do Helmand, a área que é hoje a chefe-de-fila da produção mundial da papoila. Não é difícil perceber que se a situação afegã já é bastante incontrolável, com uma direccção destas ainda mais incontrolável se tornará.
Entretanto, em Kabul, o vice-presidente Zia Masood utiliza também metáforas médicas ( uma coincidência) dizendo que a papoila alastra como o cancro ( Washington Post de ontem). Condidera a política seguida como um falhanço absoluto ( nada que incomode o sr. Costa, como vimos) e pede pulverização aérea. Ninguém se entende, ninguém se responsabiliza.
Tudo isto tem razões conjunturais, é certo, mas também de fundo: as políticas de droga têm sido negociadas por funcionários obedientes mas ignorantes, e mais em nome de um proselitismo amador do que em nome de resultados. Bastava conhecer a história do ópio na região para se ter evitado alguns erros. ( continua)
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