Os jornais têm feito um esforço: o Público ( edição de ontem) e o Expresso ( a última Única) publicaram peças que fogem ao passa-e-corre. É bom lembrar que há milhares de drogados que nunca contactaram estruturas de apoio ( prevenção das DST) ou de tratamento; e é um facto que a África Ocidental é hoje a grande zona de transição da cocaína ( já digo isto aqui há anos). O que falta muitas vezes é uma visão: global e de futuro. A heroína vai saindo de moda da Europa rica, a cocaína vai entrando. Ainda temos muitos heroinómanos que correspondem ao perfil do drogado dos anos 80 ( nos EUA a coisa era diferente, o crack teve sempre uma maior prevalência). Em países como Portugal, estas pessoas não foram convenientemente atingidas pelos programas de redução de riscos. Por isso apresentámos nos anos 90, e mesmo no início deste século, cifras de prevalência de infecção por HIV absolutamente vergonhosas . À medida que a heroína for sendo substituída por outras drogas ( tão cedo não desaparecerá), os veteranos continuarão a constituir um problema de saúde pública: hepatites, SIDA e tuberculose serão a sua herança. Tratá-los ou integrá-los ( em programas de substituição de baixo limiar de adição) será uma questão de inteligência. No mínimo. Quanto ao eixo atlântico da cocaína, a perspectiva temporal é diferente. Os europeus têm de estudar a realidade americana das últimas três décadas se quiserem fazer coisas eficazes. É possível que novas formas de consumo de cocaína sejam desenvolvidas. Mesmo que tal não aconteça, a explosão de consumo de coca altera por completo o quadro legal e social. Os americanos experimentaram os métodos musculados de Reagan e deram-se muito mal: entre 1980 e 1990, e apesar de gastos rondando 0s 40 bilhões de US/ano, o preço da cocaína desceu para metade ( The Economist, Julho de 2001). Nada disto impressiona os evangelistas lusos, eu sei, mas também não são eles que me preocupam. A aproximação das redes de tráfico à África Ocidental segue o modelo dos carteis mexicanos: a proximidade ( linguística, racial, social, familiar) via emigração vai tornar ( ainda mais) impossível um controlo eficaz da quantidade de droga introduzida na UE. Depois, os montantes envolvidos e a riqueza criada vão originar um efeito de imitação custoso de travar, tanto mais que serão as comunidades ( já o são, em certa medida) mais pobres que farão a entrega final do produto.
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