De há quarenta anos para cá crescemos fora de casa. Nas creches, literalmente, desde os três meses de idade. As comunidades tradicionais ainda perpetuaram os velhos hábitos, por necessidade dos rebanhos, mas até elas vão desaparecendo.
Parece-me natural que tenhamos perdido o laço que nos unia à família e aos mais velhos. A casa transformou-se, ao contrário do que pensava Augé, num não-lugar: anódino porque secundário aos nossos principais compromissos e tão transitório quanto as pessoas que por lá vão passando. A nossa lealdade vive fora de casa, disponível para o mercado e para as experiências brilhantes e atraentes.
E queixas... queixamo-nos muito e, esperamos que o estado faça tudo, resolva tudo, dê tudo. Esse geração do infantário, ganhou uma visão deficiente. Não vê que o estado quer tudo, leva tudo, tira tudo e não retribui em nada. E a proxima geração... será capaz de equilibrar o sistema?
pareces ter razão, ouve-se isso a cada esquina, mas a verdade é que as pessoas abandonam a casa cada vez mais tarde. Portanto, ela é basilar em relação "aos nossos principais compromissos" e não secundária. Se se deixa a casa mais tarde é porque se depende mais dela. E a perda de laços com os mais velhos dá-se, hoje, não com a nossa gereação que ainda não teve tempo para demonstrar isso, mas com a geração que antecede a nossa, basta ver o crescente número de idosos vítimas de maus tratos, institucionalizados ou, pura e simplesmente, abandonados. Não digo que a nossa gereação vá ser melhor, ainda não se sabe. Por isso, meu bom Filipe, às vezes é preciso ver um pouco mais para além das aparências ;)
Ficamos em casa até mais tarde, sim, mas isso é que só aparentemente "é basilar em relação aos nossos compromissos". Tal acontece precisamente porque temos menos apetência para fazer um lugar nosso ( o que faz sentido e por isso o escrevi).Também os presos estão muito tempo na cadeia e nem por isso ela se torna apetecível. Segue o teu conselho (quando avisas para ver mais além das aparências), meu bom JP.
Se temos cada vez menos apetência para fazer um lugar nosso, logo, mais apetência para nos fixarmos no lugar de origem, como é que isso "casa" com a crescente perda de laços familiares e aos mais velhos, que dizes haver ? Enfim...a um espírito de génio não se pode exigir uma boa doutrina ;)
Sim, sim, "a casa é basilar em relação aos nossos principais compromissos". Antes me parece que, salvo casos contados, em determinados estratos sociais, a nossa "sociedade do fácil e descartável" está a reduzir os incentivos ao abandono da casa paterna. Senão vejamos. X tem formação académica de nível superior, o mesmo acontecendo com a namorada; ambos auferem rendimentos acima da média mas o certo é que as horas de trabalho são mais que muitas; a casa paterna fornece conforto e privacidade q.b. e, gratuitamente, electricidade, água, gás, frigorífico e despensa recheados, serviços domésticos, refeições prontas a horas ou prontas a esperar pela hora mais conveniente, etc., etc., sem que tenham que dispersar a mente com "esses pormenores", o que eventualmente prejudicaria as elevadas doses de concentração necessárias a que, a nível profissional, possam ser os melhores, com todos os afagos para o ego daí advenientes. Fruto da crescente liberalização de costumes, não há agora qualquer impedimento às saídas - noitadas, fins-de-semana, férias com destinos de luxo, que se podem permitir porque, apesar dos rendimentos elevados, as tais "domesticidades" se encontram asseguradas por outrém. Num tal cenário, são mínimas as possibilidades de desavenças e discussões mas - com "egos transbordantes" nunca se sabe - se for o caso, vai cada um "chez soi" sem ter de aguentar o "incómodo" de reflectir, pedir perdão e/ou perdoar porque certos aspectos mais pragmáticos da vida em comum raras vezes se compadecem com os "estados de alma" subsequentes àquelas. Ora, sem outros ideais para além do prazer imediato que as coisas e/ou as pessoas lhe podem proporcionar, porque é que estes jovens vão querer sair de casa? Sempre ouvi dizer que quem está mal é que se muda! E os tais "laços familiares com os mais velhos" aí os têm; mais tarde logo se vê e cada vez há mais "hotéis de luxo para pessoas idosas" para quando a situação se inverter e sejam os pais a necessitar de cama, mesa e roupa lavada. São muitas as "nuances" e obviamente não pretendo ser exaustiva mas é fácil apontar responsabilidades ao Estado que, desprovido de rosto, tem as costas largas! Oxalá surja o desejado equilíbrio mas tenho dúvidas. "Ex novo" ?
Tendencialmente de acordo, cara Eva ( excelente texto) , mas com um pé atrás no que concerne a identificação das liberdades adquiridas ( de todas...) com o mal estar.
Identificar liberdades adquiridas com mal estar... nunca! Prezo a liberdade acima de tudo e muito, muito mesmo, o bem estar. Devemos sobretudo ter a liberdade de estar o melhor possível, em tudo o que isso possa significar para cada um de nós, mas... TODOS! Tal implica fortemente a por vezes esquecida proporção liberdade/responsabilidade.
Cuidado! Se pensamos que quem expressa opiniões diferentes das nossas é má pessoas ou tem mau feitio, estamos no caminho mais curto para deixar de poder expressar as nossas, não vá alguém - que não concorde com elas - pensar o mesmo de nós!!!
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