DA EXPERIÊNCIA E DO PLÁSTICO COMO ACTIVOS POLÍTICOS: Um dos factos que mais vezes passa despercebido quando se fala do contexto político na América de hoje é o da enorme impopularidade do Congresso de maioria democrata. O Presidente tem quotas de aprovação em torno dos 30% mas o Congresso tem quotas em torno dos 10%. A maioria democrata foi eleita após ter prometido terminar a guerra do Iraque e aprovar a expansão de serviços públicos na área da Saúde. Num sistema político de clara divisão dos poderes, os democratas não podiam prometer isto pela simples razão que não tinham poderes para o implementar. Um ano e meio depois há mais tropas no Iraque (o célebre "surge"), os serviços de Saúde estão na mesma e a América está à beira de uam crise económica. Num ambiente deste tipo não admira que as eleições sejam efectuads sob o avassalador signo da ideia de "mudança". Do lado republicano muito por mero instinto de sobrevivência, escolhendo o único candidato com remotas hipóteses de ganhar. Do lado democrata com uma mobilização ainda maior e ainda mais furiosa contra o establishment (bushista e do próprio Partido). Num contexto destes, a suposta experiência não é um activo mas um problema. Foi esse o génio político da campanha de Obama - colocar a questão entre experiência (leia-se responsabilidade pela actual situação do país) e mudança. Claro que isto vive tudo de percepções, porque a substância da questão é outra. Por exemplo, na minha opinião não há nada mais plástico, e que não resiste a um escrutínio um pouco além da superfície, do que a construção da imagem de Hillary Clinton como uma experiente policymaker - tem mais 3 anos de Senado que Obama, que por acaso tinha estado durante 8 anos antes no Senado do Illinois enquanto a senhora cortava fitas - mas enfim, em matéria de patranhas cada um compra do que quer. Basta aliás ler as auto-biografias de ambos (no caso de Obama são dois livros) para perceber o oceano de separação entre o estofo intelectual de cada um - a biografia de Hillary cheia de todos os estereótipos ocos de quem se quer apresentar como uma lutadora desde os anos 60, com a catilinária do Vietname e dos direitos civis (por acaso na altura a senhora votava em Barry Goldwater). Não há um pensamento fora destes estereótipos. Nem uma ideiazinha original. Um olhar que seja sobre os assuntos, mais elaborado ou mais básico, que fuja ao script da feminista rebelde tornada profissional independente, sofredora dona de casa e Primeira Dama dedicada a toda a espécie de assuntos sociais irrelevantes. Uma diferença enorme para com as obras de Obama que nos apresentam um homem capaz de reconhecer em si as contradições e nuances da vida (contidas na sua biografia e na experiência de vida dos outros), um político bastante ideológico, consciente do seu pensamento mas capaz de se colocar no lugar dos outros e perceber as suas ideias, as suas motivações e os seus objectivos. É a diferença entre a subtileza e densidade políticas e a uni-dimensionalidade fundada nas lutas ideológicas extremadas que desaguaram em auto-indulgência, tacticismo e vacuidade.
P.S. - Provavelmente se eu fosse americano votaria mais depressa em Clinton que em Obama por questões político-ideológicas. Mas isso não me impede de ser crítico de um processo de coroação e construção de imagem que estava em curso, que felizmente Obama pôs sob pressão e teste, e que era indigno de um povo e nação livres.
Podemos achar que as eleições nos EUA são excitantes e verdadeiramente democráticas. Mas mantêm um país politicamente paralisado durante quase um ano, são cansativas, extremamente caras e perversamente mediáticas. Enquanto todos se divertem com o jogo dos "caucases" e das "primaries", a recessão aproxima-se, o Iraque degrada-se e a China e a Índia fortalecem-se...
Núncio, certamente que o problema será os que se degradam, e não os que se fortalecem, depois verdadeiramente democráticas não será o termo, há problemas de participação, do bipartidarismo, e a questão financeira. Quanto ao post do NMP, muito interessante.
Concordo consigo, Helena. Não as acho nada democráticas (aliás, o método republicano do "winner-takes-all" é a prova) e até acho desconcertante que num país como os EUA, que anda pelo mundo a pregar os benefícios da democracia e do neoliberalismo, haja ainda métodos tão arcaicos e falíveis de contagem de votos. O partidarismo não me preocupa. Já acho mais preocupante a questão financeira, não só do financiamento obscuro como dos montantes envolvidos, quase obscenos!
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