Há uns tempos foi a lata amolgada na estrada, depois o "surto de mortes violentas", agora são os vídeos de "indisciplina na escola" ( estão quase a chegar os fogos). Pelo meio, gente consabidamente malcriada e desorganizada vai à televisão perorar sobre boas maneiras. Hilariante. Também é digna de nota a quantidade de desmiolados que asseguram que "dantes é que era bom". Estudem - uma vez que não se lembram ou não tomaram a medicação - o sistema de ensino português no início dos anos 80: meninos-família que espancavam presidentes do conselho directivo, droga à larga nos recreios ( foi o começo), professores estágiários aos magotes, velhos docentes inadaptados que ninguém ouvia nem respeitava. Os miúdos de hoje sabem mais do que os de ontem, qualquer pai honesto o reconhece: o trolha, sem esforço, o doutor, com relutância. É claro que há mais granel: as aldeias foram rapadas e toda a gente entrou ( Coimbra está cheia de parolos e broeiras que passam a vida a berrar pelas ruas). Por isso digo com o João Alves ( quando treinava a Académica) : Querem ópera? Vão ao São Carlos!
Há 22 anos que sou professor de filosofia. Tenho, portanto, alguma legitimidade para dizer que conheço bem os miúdos de hoje assim como o seu nível cultural.
Sendo professor de filosofia posso aferir mais facilmente a cultura geral dos alunos visto serem abordados nas minhas aulas assuntos que vão desde a arte à religião, passando pela história, política, ciência, etc.
A minha experiência desmente o que afirma neste post. Ok, se quiser comparar um jovem que frequenta actualmente o 11ºano com um trolha analfabeto dos anos 60, admito que possa ter razão.
Mas se comparar esse jovem de classe média com o seu pai de classe média, aconselho-o a não meter as mãos no fogo.É absolutamente chocante os níveis de ignorância e indiferença perante o saber e o conhecimento por parte da nossa hich-tech juventude. E olhe que dou aulas numa escola urbana do desenvolvido Vale do Tejo.
Não. O que eu quero é comparar o que sabe hoje um filho de um trolha com o que o pai sabia há vinte anos. E, já agora, comparar o que sabe hoje um filho de um professor com que o pai sabia há vinte anos. Sabe menos? Não creio.O pai ficaria muito mal visto.
Imagine o meu amigo uma pessoa que, actualmente, viva numa casa sem luz, água canalizada, televisão, esquentador, frigorífico e torradeira. Enfim, uma miséria pegada.
Mas agora veja o seguinte. Luís XIV, Henrique VIII, Carlos V, Francisco I ou D. João III, não tinham nada disso. Mas isso não faz deles uns desgraçados.
O que eu quero dizer é o seguinte: provavelmente, o filho do trolha, que frequenta a escola há 11 anos, sem contar com o infantário, saberá mais do que o seu pai analfabeto ou que para lá caminha.
Olha que grande novidade, comparar quem não sabe quase nada com quem não sabe nada, exceptuando o que se aprende através da Bola e do Record porque, pura e simplesmente, não frequentou a escola e começou a trabalhar aos 12anos.
O que é chocante não é o pouco que o filho sabe. Kant também nunca ouviu falar de Ravel e Eça não sabia quem era Picasso, e isso não faz deles pessoas ignorantes.
Chocante é o que ele não sabe mas teria obrigação de saber depois de 11 anos de escola. É por isso que hoje também é chocante viver numa casa sem luz e água canalizada.
Há dias, ao apresentar Descartes e a questão da dúvida metódica aos alunos, decidi fazê-lo através de D. Quixote. Pois não imagina a quantidade de alunos para quem o nome dizia tanto como Costa Pereira, Germano ou Cavém, para um benfiquista de 8 anos. Nada. Moinhos de vento? Sancho Pança? Dulcineia? O que é isso?
Havia lá filhos de professores. Ah, tenho a certezinha quase absoluta de que o trolha, que nunca leu o D. Quixote, saberia identificar o cavaleiro da triste figura. Triste figura? Faço-a eu, diariamente, sempre que entro na escola.
Caro FNV, Concordo em muito com o seu post. O uso frequente ao argumento de que "antes é que era bom..." desilude-me. E cenas iguais às da menina do Porto, presenciei-as, algumas com muito mais frisson e variações, a diferença é que não havia telemóveis. Minto, uma delas envolvia um celular de quase 2 kilos (mas que não filmava) e uma reputada professora universitária. O que me parece, é que hoje o fenómeno é mais abrangente (será?) e está a ser oportunamente aproveitado para fins que não têm nada a ver com educação.
No entanto, não me parece muito justo comparar em quantidade o conhecimento de duas gerações bastante diferentes. Da minha experiência com ambas as gerações (a jusante e a montante), fico com a noção de que hoje, de facto sabe-se mais, há a necessidade de se manter informado e também (o mais pernicioso) nada pode ser tido por garantido. Logo é melhor ler-se tudo pela diagonal, ficar-se com ideias gerais e o conhecimento é assim gerido e guardado em formatos flexíveis. No picossegundo seguinte haverá provavelmente necessidade de reformular tudo o que se aprendeu. É a geração "Daaaah", em que o raciocínio tem de ser rápido no gatilho, o juizo imediato e se não é formulado recai no limbo da indecisão. Ora isto choca evidentemente com a noção de aprendizagem sólida, robusta fundamentada nas pedras basilares das ciências básicas, imutáveis. Com a interiorização do conhecimento, digestão de ideias com o fermento criativo que o tédio de outrora era conotado (estou a exagerar), o ler e reler nas entrelinhas e extrapolar sobre o que nas entrelinhas não era dito. Não se sabias menos. Sabia-se muito de pouca coisa e de um modo diferente. Sabia-se que o que se sabia e aprendia era importante para o futuro. A relação entre aprendizagem/ conhecimento e Sucesso era quase linear.
A minha geração (com uma relação mais logarítmica) está no meio das duas e optou claramente por ir com a barca ao sabor das ondas sem conseguir encontrar nela a aplicabilidade racional dos ensinamentos da geração anterior, tentando em vão exorcizá-la pelas emoções.
Como curiosidade (foge um pouco ao assunto), esta entrevista do Alvin Toffel, acrescenta um pouco a importância da quantidade/ qualidade do que se ensina nos tempos de hoje: http://videos.sapo.pt/S6GNyJZ2q6PU6BaUY0jK Pergunto-me se aos olhos dos miúdos de hoje isto não é mais do que evidente e só os adultos é que ainda não perceberam?
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