TRIBUNAL DE SANTA MARIA DA FEIRA: Simpatizo com a escrita e as opiniões de Helena Matos, que habitualmente leio com gosto no Público. Mas não concordo com o seu mais recente texto (Público, 1 de Julho) e tenho de o dizer aqui porque ela não é propriamente o meu Bastonário, a quem não ligo a mínima pois isso obrigar-me-ia a contrariá-lo diariamente e não tenho tempo para isso. A Jornalista criticou vivamente os Juízes desse Tribunal por se terem recusado a exercer as suas funções nas condições em que estavam obrigados (até aqui, tal como o Bastonário dos Advogados) e teceu várias críticas e considerações sobre o assunto. Permito-me esclarecer alguns pontos, pois admito que haja também algum desconhecimento sobre o assunto.
Como declaração de interesses, refiro que conheço apenas um dos Juízes agredidos, não o vejo há mais de dez anos (não tenho processos no seu Círculo) mas foi aquele que me ensinou a perder (ofereceu-me a primeira derrota, sabor amargo que desconhecia, mas, quando percebeu que se tinha enganado e nada mais podia fazer, teve posteriormente para comigo discretíssimas palavras pessoais inolvidáveis que não estão ao alcance de qualquer um). A pelo menos esse Magistrado não faltam o brio nem o sentido ou noção de dever nem sequer o estou a ver a abandonar os cidadãos, como erradamente acusa Helena Matos.
A maior parte das pessoas não sabe que a maior parte dos Magistrados trabalha em condições que não são oferecidas, num banal escritório de Advogados, a Estagiários ou às próprias Secretárias. Se no sistema judicial faltam o brio, o sentido de dever ou se os cidadão são abandonados, a responsabilidade por essas realidades deve-se ao poder político, que tudo tem feito nesse sentido, seja pelas condições que oferece, seja pelas considerações que tece sobre o sistema quando ele lhe é contrário (ou aos amigos). No caso concreto do Tribunal de Santa Maria da Feira (que tem cerca de 17 anos e não 30), ele não presta desde que foi construído e inaugurado pelo poder político. Mas ninguém ligou ao facto até ao momento e tudo foi funcionando como funcionam quase todos os Tribunais portugueses: por carolice dos que lá trabalham sem condições mínimas (por vezes em centros comerciais ou em prédios de apartamentos).
Helena Matos e o meu Bastonário insurgem-se pelo facto dos Juízes não pretenderem sujeitar-se a essas condições. Não sei porquê. Eu também não quero participar em julgamentos onde estão maluquinhos a menos de um metro prontos a agredir-me e não percebo a razão pela qual o Bastonário não me defende. Não são os Juízes (ou os Advogados) que se escusam a resolver os problemas das pessoas: é o poder político que esteve impávido e sereno anos a fio perante estas situações, sem as resolver. E estes problemas não acontecem só no campo criminal: as situações mais difíceis encontram-se hoje em Tribunais de Família e Menores, onde a retirada de um filho a um agressor ou a separação de um casal belicoso pode degenerar nas situações mais inacreditáveis.
É bem certo que, como afirma Helena Matos, as agressões podem acontecer junto das escolas, a contínuos, professores, médicos ou mesmo no meio da rua mas ali, nos Tribunais, é onde se realiza (ou tenta realizar) a Justiça, não é brincadeira nenhuma! Há detectores de metais obrigatórios nas discotecas (que os paguem) mas nos Tribunais isso é perfeitamente dispensável (deve ser caro).
Se de uma vez por todas queremos ter uma Justiça a sério temos de a respeitar e de lhe dar condições. A Justiça não se faz no meio da rua, na esplanada da praça ou no Quartel dos Bombeiros, por muito boas condições que tenha. E, ao contrário do que afirma Helena Matos, não se tem investido muito na formação dos Juízes nem eles são bem pagos (seja em comparação com os congéneres estrangeiros, seja em comparação com os portugueses em geral - como se isso fosse sequer comparável), no início ou no fim da carreira (a sua remuneração é realmente muito diferente do salário mínimo, mas não é isso que merece quem vai decidir as nossas vidas e os nossos pleitos?). Aliás, estas comparações financeiras têm de ser sempre feitas com alguma habilidade pois raramente se pormenoriza que muito do orçamento com a Justiça é perdido com uns fabulosos contratos de arrendamento que resolvem o problema na hora (tão ao gosto actual) mas encarecem os anos seguintes - mas disto ninguém fala.
Eu recuso-me a fazer julgamentos nos gabinetes dos Juízes quando faltam salas de audiências, considero que isso não tem dignidade nenhuma (para além de faltarem as condições mínimas) para nenhuma das partes envolvidas e nem se percebe a grandeza do que se está a fazer. Considero também que muitas decisões e situações judiciais parecem, como diz Helena Matos, "saídas de uma antologia do teatro do absurdo". Mas entendo que Funcionários e Magistrados Judiciais, bem como os do Ministério Público e os Advogados não têm de desenvolver a sua nobre actividade, bem ou mal, nas condições indignas que o poder político lhes anda a conceder.
Os habitantes de Santa Maria da Feira não se queixem dos seus Magistrados Judiciais ou do Ministério Público, queixem-se antes do poder político que ignorou o seu Tribunal durante anos e anos. E esqueçam, por favor, as declarações do Bastonário dos Advogados.
post scriptum/adenda: por qualquer motivo que não consigo descortinar, enganei-me no nome da Ilustre Jornalista de que falava em quase todas as vezes que lhe fiz referência no post original (com excepção de uma), problema que corrigi agora. À Jornalista, as minhas desculpas, ao lampioníssimo FNV que amavelmente me avisou, os meus agradecimentos.
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