RESULTADO AO FIM DO PRIMEIRO PERÍODO: Desde 2004 que sou um admirador das qualidades políticas de Obama. E ao longo deste ciclo eleitoral, vi esse sentimento ser reforçado pela forma brilhante e elegante como Obama derrotou uma das mais poderosas máquinas políticas americanas. A forma como atraiu novos eleitores e colocou o discurso político num patamar mais elevado, em qualidade de prestação mediática ou cénica mas também num retorno do idealismo que faz parte das melhores tradições americanas, são merecedores dos maiores créditos e aplausos. Talvez por ter acompanhado de perto e a par e passo a carreira política à escala nacional de Obama sinto, nos últimos tempos, que algo se foi perdendo em Junho, Julho e Agosto no seu toque mágico. Ao contrário da maior parte dos cronistas, comentadores e bloggers não apreciei muito o seu discurso de encerramento da convenção democrata. Acho até que o tom e conteúdo do discurso foram completamente errados para aquilo que Obama precisava daqui até Novembro. Foi um discurso partidário tradicional, cheio de críticas directas a McCain e com um tom negativo que em nada o ajudam. Estamos a anos-luz da noite de Janeiro passado no New Hampshire em que, por cima dos escombros de uma derrota tangencial, Obama renasceu luminoso e optimista e lançou o seu famoso slogan Yes, we Can! com uma prestação memorável. É para mim um mistério porque é que Obama escolheu o momento em que tinha maior audiência para fazer um discurso de ataque e negativo. Cerca de 40 milhões de americanos assistiram a esse discurso (um pouco mais do que os que assistiram ao de Sarah Palin e McCain) - a maior parte destes nunca tinha seguido integralmente uma intervenção de Obama. Esta opção foi feita depois de enorme pressão de comentadores e opinon makers para que Obama fosse mais específico no que o separava de McCain e menos idealista e eloquente. Tal como na escolha do candidato a Vice-Presidente (em que não optou pela candidata natural após meses de reflexão e análise), Obama foi, na minha opinião, vítima do problema que mais frequentemente ataca os políticos que fazem um faux pas: deixou-se condicionar por comentadores, assessores e demais Cassandras do conselho e da opinião. Não foi espontâneo nem natural. Foi encenado, produzido, previsível, conformista. Tudo o que não havia sido até aqui. O Obama entusiasmante, insurgente, irreverente, atractivo num ano de mudança não é o de Denver. Lá esteve uma caricatura partidária e sectária que pode ter cometido um erro fatal. Porque ao comportar-se desta maneira abriu o flanco a McCain para, ontem, se dirigir a independentes e democratas, num discurso que não entusiasmou os republicanos presentes, mas talvez até por isso pode ter sido bem mais eficaz (isto claro se as pessoas conseguiram manter-se acordadas). Tudo isto pode ser apenas função da necessidade: Obama pode ganhar com o voto genérico democrata - quando perguntados se se revêem no Partido Democrata ou Republicano, o americanos dão uma vantagem de 12 pontos ao primeiro (o que não acontecia desde os anos 80) - McCain precisa desesperadamente de votos independentes. Desde o final das primárias, a campanha de Obama vem acumulando disparates e erros: o pretensioso passeio triunfal pela Europa, a cinzenta escolha de Vice-Presidente e em, minha opinião, a infeliz escolha do tom e conteúdo do discurso de Obama mais visto pelos americanos. Penso que, no início da próxima semana, as sondagens revelarão isto mesmo e que os democratas finalmente se aperceberão que se enfiaram desnecessariamente num buraco. Obama tem todas as qualidades para ganhar estas eleições. O Partido Republicano não merece ganhá-las. Mas as coisas políticas não seguem nem critérios de mérito nem julgamentos morais de justiça ou injustiça. Os republicanos fizeram nos últimos dias (na minha opinião com sucesso), uma manobra política arriscada mas brilhante - renegaram a herança de Bush e apresentaram-se como o partido da reforma. Para voltar a ser o talentoso e entusiasmante político que já foi, neste ciclo eleitoral que grita por mudança, Obama tem de voltar a ser o homem fora do sistema, o reformador implacável, o agente de mudança, o homem que subverterá Washington e que compreende o sofrimento económico e as ansiedades de segurança do americano médio. Os excessos pirotécnicos e de encenação, o auto-contentamento e o deslumbramento com o seu próprio movimento e a sua trajectória são dispensáveis para esse exercício. Estes últimos dois meses foram politicamente perdidos. Falta saber se, com a ousada escolha de Palin e apresentando-se descaradamente como um partido republicano novo e reformado, a candidatura de McCain não cortou o espaço a Obama e definiu o contexto destas eleições. Não haverá muitos mais momentos até Novembro de tão grande audiência televisiva (os 3 debates entre os candidatos presidenciais e 1 entre Palin e Biden). A guerra das convenções foi (mais uma vez) ganha pelos republicanos. Veremos se aos pontos ou por KO.
"É para mim um mistério porque é que Obama escolheu o momento em que tinha maior audiência para fazer um discurso de ataque e negativo."
Porque não conseguiu distanciar-se nas sondagens. É um raciocínio clássico do marketing: os líderes lutam pela categoria, os aspirantes lutam contra o lider. Julgo que nesses dias Obama tinha perdido a liderança nas intenções de voto em algumas sondagens. Provavelmente esse discurso será matizado no futuro, a menos que a derrapagem continue. Nesse caso vamos ter uma campanha negativa em força. Eu cá, não faria outra coisa.
"Esta opção foi feita depois de enorme pressão de comentadores e opinon makers para que Obama fosse mais específico no que o separava de McCain e menos idealista e eloquente."
Tenho apreciado muito as suas análises, mas acho que está a ser injusto. A campanha de Obama tem revelado um sangue-frio notável. Creio que o ataque teria sido feito mesmo sem os comentadores, pelos motivos que expliquei.
"Desde o final das primárias, a campanha de Obama vem acumulando disparates e erros: o pretensioso passeio triunfal pela Europa, a cinzenta escolha de Vice-Presidente e em, minha opinião, a infeliz escolha do tom e conteúdo do discurso de Obama mais visto pelos americanos. Penso que, no início da próxima semana, as sondagens revelarão isto mesmo e que os democratas finalmente se aperceberão que se enfiaram desnecessariamente num buraco."
O passeio na Europa veio rebater a acusação dos republicanos de que ele não estava à vontade em política externa. Por aquilo que vejo daqui, julgo que só foi um falhanço porque os democratas tiveram medo de ser excessivamente triunfais e retrairam-se perante as críticas de vedetismo. Se algum republicano conseguisse fazer aquilo outro galo cantaria, pois esses não perdem oportunidades.
Quanto ao vice-presidente concordo consigo: Clinton teria sido a melhor escolha. Só isso me faz pensar que Obama poderia ser um presidente mais fraco do que se julga.
" Os republicanos fizeram nos últimos dias (na minha opinião com sucesso), uma manobra política arriscada mas brilhante - renegaram a herança de Bush e apresentaram-se como o partido da reforma."
Quanto ao sucesso ainda vamos ver, não é? Mas a manobra é interessante: renegar Bush ao mesmo tempo que se põe em jogo uma tipa tão conservadora como ele. Manobra interessante, mas um bocadinho esquizofrénica. E com um toque de desespero que os democratas deviam saber aproveitar.
"Para voltar a ser o talentoso e entusiasmante político que já foi, neste ciclo eleitoral que grita por mudança, Obama tem de voltar a ser o homem fora do sistema, o reformador implacável, o agente de mudança, o homem que subverterá Washington e que compreende o sofrimento económico e as ansiedades de segurança do americano médio. Os excessos pirotécnicos e de encenação, o auto-contentamento e o deslumbramento com o seu próprio movimento e a sua trajectória são dispensáveis para esse exercício."
Lá isso é verdade. Ele tem que se virar para fora e ser menos ensimesmado. Esse foi o único grande erro da campanha.
Caro Luís, Obrigado pelas palavras amáveis. Uns apontamentos: - Tem razão quando diz que Obama seria criticado de qualquer maneira (mantivesse o discurso ou fizesse o que fez). O meu ponto é que a campanha dele, com esta opção, desperdiçou o momento de maior audiência que tinham para um exercício fruto de raciocínios típico das "bolhas" de analistas, assessores e comentadores. Muitos dos americanos têm uma ideia difusa sobre quem é este homeme. começaram agora a prestar atenção. E é nesta altura que ele se torna mais partidário e menos entusiasmante. - A questão da ida à Europa é uam questão de grau. É óbvio que ele teria de ir. Encontrar-se e tirar umas fotos com líderes europeus. Mas, se ganharmos distanciamento, aquele discurso de Berlim não passa de um epifenómeno e de um golpe de marketing de utilidade duvidosa - não ganha votos na América, podendo até aumentar desconfianças e mesmo que aumente a simpatia dos europeus, se ganharmos algum recuo aquilo é algo completamente "kitsch", um "pastiche" do JFK por um homem que nem nomeado estava quanto mais eleito. è isso que eu quero dizer com pretensioso. - Tenho usado adjectivos como descarado, despudorado mas também brilhante à manobra republicana porque tento não carregar estas análises com juízos de valor. Do ponto de vista puramente da eficiência eleitoral a convenção republicana saiu-lhes melhor do que a encomenda. Mas é óbvio que a escolha de Palin contem riscos. e não sei se foi o momento de estadista mais relevante do mccain (veremos se ela está à altura da ocasião ou foi apenas um golpe oportunista e irresponsável para sacar votos das mulheres e segurar as bases republicanas. Até agora so podemos dizer bem, apesar de todo o charivari da imorensa e dos blogues. - Tem razão que a campanha de Obama tem sido muito fria e eficaz. Veremos o que vem dai para a frente. Abraço
- "Muitos dos americanos têm uma ideia difusa sobre quem é este homeme. começaram agora a prestar atenção. E é nesta altura que ele se torna mais partidário e menos entusiasmante."
Bom, isso provém de uma avaliação no terreno que você está em muito melhores condições de fazer (e eu com inveja). Mas por outro lado, se eu estivesse a dirigir aquela campanha e quisesse desferir um ataque ao adversário, escolheria o momento de maior visibilidade possível.
"aquele discurso de Berlim não passa de um epifenómeno e de um golpe de marketing de utilidade duvidosa - não ganha votos na América, podendo até aumentar desconfianças e mesmo que aumente a simpatia dos europeus, se ganharmos algum recuo aquilo é algo completamente "kitsch""
- É verdade Nuno. E é um problema muito interessante. Mas o kitsch é uma categoria estética, não politica. Por um lado tendo a concordar consigo: Berlim revelou um ensimesmamento, uma autocontemplação, uma suficiência quase miltoniana que é um perigo enorme para esta candidatura: o messianismo, o providencialismo, etc. Mas também é verdade que em termos políticos (ou de campanha) os democratas podiam ter virado as acusações de vedetismo contra os republicanos, persuadindo os eleitores que não é só a América, mas o mundo inteiro que deseja a tal "mudança". Não sei se funcionaria. Eu já fiz isso em publicidade, e funcionou. Há uns tipos numa grande marca portuguesa que me deviam pagar cinco mil contos por mês à custa de uma coisa do género.
"Do ponto de vista puramente da eficiência eleitoral a convenção republicana saiu-lhes melhor do que a encomenda. "
Ah, pois saiu. E a senhora Palin deve ser uma mulher muito inteligente, apesar das limitações civilizacionais.
Não o vou chatear mais. Espero que continue a enviar-nos mais análises, ou eu e o João Pinto e Castro torturamos o VLX.
Luís, Vc descreveu os perigos eleitorais da questão de Berlim melhor do que eu poderia fazer. Se terá efeito? Não sei. Duvido. A ideia de que ele é bem visto em capitais europeias seguramente reforça a sua imagem de estadista e de preparado para o cargo da Presidência. Por outro lado, pode mostrar uma vontade em ser bem visto na Europa que pode ser contraproducente junto de certas faixas do eleitorado que acham que os interesses americanos são antes de tudo americanos e só depois têm de ser alinhados com os europeus. Há uma expressão inglesa que exprime o que eu tenho tentado dizer. O momento de Berlim foi um "overshoot". Não terá só por si influência no resultado mas eu tenho-o usado para demonstrar o clima de ensimesmamento, autocontemplação e auto-contentamento em que a campanha de Obama viveu em Julho e Agosto. Andavam a pairar, babados com o que tinham conseguido, quase que deslumbrados pelos "momentos históricos" que iam produzindo. Esse clima, como se viu pela forma ra´pida e eficiente como os republicanos equilibraram agora esta pugna, não ajudou em nada a cimentar e alargar a base de apoio de Obama. Eu até acho que, no meio deste clima eufórico, a campanha achava que tinha um mago eleitoral em mãos e que não precisava de se preocupar com isso - com o tempo os votos apareceriam. Isso explica para mim a forma como desprezaram a Hillary que, não nos esqueçamos, representa pelo menos tanta gente como ele (há quem argumente que até representa mais - afinal em votos de urna fechada ela ganhou-lhe. Perdeu devido aos caucus). Foi do ponto de vista eleitoral um momento de "hubris", uma expressão que foi muito usada e bem para classificar o comportamento da Administração Bush na questão do Iraque. Um erro de avaliação - em Maio e Junho o Obama quase não ganhou primárias. Acabou esse processo das primárias com dificuldades com grupo sensíveis do eleitorado que persistentemente se têem recusado a votar nele. Espero que o meu argumento tenha ficado mais claro. Mas admito que seja díficil da Europa perceber como a viagem da Europa foi vista por muita gente na América neste contexto.
Não incomoda nada. Gosto discutir estas coisas.
O VLX não precisa de defensores. Ele pode bem sozinho com as vossas "torturas". Acho que até gosta.:-)))
Não queria estar a intrometer-me aqui no interessante debate - mas... só um apontamento:
- a prova de que a Convenção Democrata correu bem, e que o discurso de Obama correu bem, foi o impulso que ganhou nas sondagens logo de seguida. Foi elogiado por toda a gente, e fez aquilo que tinha que fazer - enunciar medidas concretas e atacar McCain - coisa que até então tinha sido muito froxo.
- a convenção republicana... foi uma grande surpresa não haja dúvida. Sarah Palin foi um ás, mas tivémos um McCain que desiludiu muito - é aqui que não percebo a análise de NMP.
Ora, antes da RNC, era por todos reconhecido que a DNC foi dos melhores momentos políticos que Obama teve - e não foi totalmente ofuscado pela RNC, embora tenha cortado um pouco. Mas tivémos um John McCain com um discurso final aflitivo. Não vi nenhuma crítica positiva aquele discurso.
"It was Sarah Palin convention". Era o que se repetia.
Mas como a história facilmente confirma, não são os vices que ganham eleições...
O debate presidencial vai ser fundamental. Continua tudo em aberto, como antes das convenções...
Espere mais um dias pelas sondagens. Depois da poeira assentar nos dois "bounces" veremos quem foi masi eficaz.Um bom sítio para ver as evoluções é em http://www.realclearpolitics.com
Posso estar enganado mas acho q os republicanos vão empatar ou passar para a frente nos próximos dias.
Mas isto é tudo pequenas impressões. Não sou o Zandinga. Não faço ideia o que vai acontecer. Abraço
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