CATCH 22: Tendo perdido o meu cartão da ADSE, achei que a solução mais simples seria ir ao centro de atendimento de pessoal do meu serviço pedir uma 2ª via. Simpaticíssimos, que sim, que era só preencher o impresso e pagar 1,25 euros. Extasiei-me, senti-me Europa. Quis pagar, tinha trocos e tudo. Que não, que não mexiam com dinheiro. Só com cheques (eu nem sabia que ainda existia tal coisa) ou vale postal. No valor de 1,25 euros. Não era por eles, era pelos outros, os da ADSE. Agradeci e saí com o impresso. Um destes dias, perderei meia hora da minha vida, mais um litro de gasolina, mais a taxa de um qualquer parquímetro, para ir a uma estação de correios pagar um vale postal de 1,25 euros a favor da ADSE. A parte boa é que o meu serviço se encarrega do envio de toda a documentação - e parece que até paga os selos.
A chatice da burocracia é ser irredutível à expressão mais simples (aquela que desejaríamos como utentes...). Porque assegura o outro lado, o de garante da legalidade da actuação, coisita que servirá, em princípio, para nos descansar... Por isso, acho muito bem que lhe dissessem "que não, que não mexiam com dinheiro"! Essa é a primeira regra para a transparência do circuito do vil metal na administração pública: apenas os serviços financeiros (e em sentido estrito) é que lhe podem ver a cor. Só na privada é que há luxo de facilidades, hélas! No sector público (sobre o qual recaem sempre as suspeições habituais, a maioria das vezes bem injustas)a norma básica para o 'controlo da probidade' é exactamente essa. Assim, o dirigente pode dormir tranquilo porque tem o território a controlar bem delimitado... Opinião de gato escaldado. (coisa diferente é saber simplificar, criando 1 sistema de informações entre os sectores para evitar situações ridículas como essa a que o sujeitaram:)
Teresa, o trunfo da burocracia é procurar convencer os utentes de que coisas bizarras são parte essencial de um desígnio mais amplo, cujos fins últimos estão para lá das suas pequenas vidas e preocupações - e, talvez da sua compreensão. Com a generalização dos meios de pagamento electrónicos que hoje existe, não creio que haja qualquer motivo racional para exigir a um utente de um serviço público que pague 1,25 euros exclusivamente através de um cheque ou de um vale postal.
Eu sei, eu sei, fui politicamente incorrecta. Todos somos inimigos da burocracia. Todos a associamos a essa ideia (e prática) de pequeno poder, mesquinho e prepotente, que faz da complicação e da ourivesaria da tarefa um fim em si próprio. Mais: todos temos, do lado de cá, de passar à acção e fazer qualquer coisa para tentar mudar isso (p.ex, PC, já reclamou? Já sugeriu o que propõe no seu comentário?) Eu não subscrevo o que caricaturou: tb. censuro. Só chamei a atenção para um pormenor da sua história, essa coisa evidente e sagrada na (tb sagrada) Europa evoluída: o dinheiro só transita, fisicamente, nos canais do estilo. É um tributo que a admin. deve aos cidadãos (zelo e prevenção). Gestão defensiva? Em parte. Mas que remédio! É que aos administradores públicos exige-se o compromisso entre Deus e o Diabo: eficiência, eficácia e produtividade, num ranking tal que ombreie com os privados. E depois, esse 'corta-asas' do princípio da legalidade da actuação (que eles não desenharam nos seus pormenores), somada à protecção das garantias do cidadão. Dramatizo? Não, não, quem nos dera. - Quer um exemplo do dia a dia? Gerir uma pequena fatia da coisa pública com o CPA a tolher-nos os timings e os movimentos; ou então com o novo CCP à perna. Um desafio à criatividade e à solidez da nossa aptidão? Sem dúvida. Mas um inimigo jurado da agilidade. E a maior parte das vezes, a aplicação do nonsense à vida real.
Não, Teresa, não foi "politicamente incorrecta". Alguns diriam precisamente o contrário: há valor mais "politicamente correcto" do que a legalidade da administração dos dinheiros públicos? Como sabemos, é um conceito muito ambíguo, para não dizer vazio de sentido. Pelo que depreendo do seu comentário, julgo que é administradora do sector público e escreveu pro domo sua - o que não tem mal nenhum. No mais, tenho um longo historial de reclamações contra entidades públicas e privadas: levar até à Relação coimas aplicadas pela Brisa (ganhando o recurso por razões completamente ilegais e que nunca me teriam ocorrido), reclamar contra a entrega de receitas médicas trocadas (destinadas a outro paciente) em hospitais públicos (sem nunca ter qualquer resposta), etc. A próxima vai ser contra a regra que só permite a emissão de uma certidão de grau académico a quem requereu o respectivo diploma (conhece a situação?). Não acho que tenha lições a receber nessa matéria... De toda a maneira, creio que não há aqui fundamento para "reclamar" de coisa alguma, pois não me parece que exista uma ilegalidade. É só uma estupidez burocrática, é tudo.
PC, não se zangue pf, eu não estava a referir-me à velha reclamação graciosa, estava a simplesmente a sugerir que sugerisse, ou nos livros da praxe ou nas caixinhas que o Cavaco mandou espalhar pelos serviços nos idos de 90. Quanto a essa de não haver certidão sem diploma, sim, conheço, tb fui vítima e acho um verdadeiro abuso. Há exempols sem fim. Por ex., o vício instalado de "pedir" a quem presta serviços a emissão antecipada do 'recibo verde'. Outra prepotência, muito corrente, que me recuso a aplicar. Ser politicamente incorrecto é isto: em certos meios profissionais, ousar dizer que a (ou alguma) burocracia tem de facto um sentido. Ninguém se atreve a dizê-lo, oh vergonha, porque são todos paladinos das cartas de missão, dos programas de governo, das GOP e do simplex. Mas depois, é vê-los a desdobrar-se em decisões irracionais, disparando instruções casusísticas, todas geralmente empacotadas numa interminável rima de papéis, que, espremidos, cabiam numa folha A4, e invariavelmente têm o cidadão indefeso no final da cadeia.
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