(tudo muito sintético e ficcionado. Qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência. Verdade, verdadinha)
(cena 1 - cenário: gabinete do Ministro, decorado em tons modernos. Ao fundo, três plasmas ligados, dois sintonizados em canais de notícias e um na Tardes da Júlia. À secretária, o ministro ronrona, acabado que está mais um Tetrix. O telefone toca, com toque antiquado falso — TRING, TRING —, o Ministro, estremunhado, atende)
- Tôoo?... - Está, rapaz? Tu és difícil de apanhar, pá, já deixei imensos recados em todo o lado e não me ligas nenhuma, pá. - Tio Júlio?... - Claro, pá, agora que és Ministro não ligas aos velhos, pá. Estás porreiro, pá? - Cá vamos, cá vamos, governar o país não é fácil, sabe? Isto dá muito trabalho... - Pois, pois... Tens é muita sorte. Olha lá, estou preocupado contigo. No outro dia falaram-me uns ingleses, que havia um licenciamento de uma coisa qualquer em Alcochete, um Outlet ou coisa assim... - Realmente anda para aí a telefonar o Presidente da Câmara de Alcochete a querer uma reunião... - E os tipos disseram-me que havia uns gajos que lhes pediram umas luvas de quatro milhões para garantir o licenciamento, pá. Quatro milhões, pá, os tipos estavam lixados. - Ó tio, mas que tenho eu a ver com isso? - Acorda, pá, o licenciamento é do teu Ministério, pá. Eu não tenho nada a ver com a tua vida, pá, mas achei que devias saber, pá. Anda malta a fingir que usa o teu nome, pá, ou então há nesse ministério gajos trafulhas, pá, corruptos, pá. E eu achei que te devia avisar, pá, que esta coisa ainda corre mal para ti, pá. - Ó tio, mas isso que me está a contar é gravíssimo, realmente. Temos de fazer alguma coisa, mande o homem vir ter comigo, passo a tratar eu deste assunto, mando vir o Presidente da Câmara, vai ser tudo resolvido.
(cena 2 - gabinete do Procurador-Geral da República, este ronrona e o telefone também)
- Tôoo?... - Senhor Procurador? Daqui é o Ministro do Ambiente, quero relatar-lhe esta situação assim-assado, fui informado desta coisa, considero-a grave, enlameia o meu Ministério, seja verdade ou mentira, há que investigar para ver se, na realidade, existe aqui alguém que, a troco de dinheiro, facilita aprovações de projectos ou se é tudo uma vigarice contra o desgraçado do inglês. Peço-lhe que inicie um inquérito e me auxilie. Conto receber o homem em causa, ver o que ele tem a dizer, e depois que os elementos da PJ e do MP que montem a armadilha que têm a montar para averiguar tudo. - Sim senhor, vou já mandar gente para aí.
(cena 3 - sala de reuniões no MA, decoração igualmente modernaça, umas plantas esquisitas nos cantos adornam o espaço. Acabados os cafés, os intervenientes na reunião fumam, bons tempos...)
- ... e assim, como eu dizia, caro Senhor Smith... - Pedro... - Sim, desculpe, disseram-me que era outra pessoa, fiquei com este nome na cabeça. Dizia então eu que o MA não está aqui para atrapalhar projectos, eles apenas têm de cumprir as normas legais, elas já lhe foram explicadas, já sabe quais são, os senhores devem alterar em conformidade o projecto e apresentá-lo a apreciação, seguindo o mesmo os trâmites normais. - Mas nós tínhamos alguma pressa... - Pois sim mas os projectos de licenciamento seguem todos as mesmas regras, aí não há volta a dar, tenho muita pena. Está terminada a reunião, fica só o Senhor Pedro, pois eu preciso de falar com consigo.
(instantes depois, já sozinhos na sala)
- Caro Senhor Pedro, há aqui uma exigência minha que para já fica entre nós. (pequeno período de silêncio para criar suspense) - O meu tio disse-me que os senhores se queixaram de lhes terem exigido quatro milhões para obterem este licenciamento, é verdade ou o meu tio é um mentiroso? - É verdade, é verdade, Senhor Ministro... ficámos indignados... - Então olhe: eu não admito isso relativamente ao meu Ministério, mesmo que seja especulação ou mentira. Não. Este Ministério é sério. E se há por aqui bandidos ou se lhe mentiram usando o meu Ministério, fazendo-lhe crer que a troco de dinheiro as coisas aqui se arranjavam, quero ver isto esclarecido. O senhor vai entrar nesta salinha, estão aqui estes senhores Procuradores e Inspectores da PJ, vai-lhes contar tudinho e vamos montar uma armadilha para apanhar esta malta. Aqui não, comigo não, em Portugal não.
(Ministro e Pedro saem de cena) FIM (o pano cai, o público aplaude de pé)
Bem... É claro que se tivesse sido assim, alguém hoje se preocuparia? E nós andaríamos entretidos com quê?
"Exactissimamente", está demais!! Só lhe digo uma coisa: - vou começar a ir assitir aos julgamentos em que intervém... - Costuma ser assim tão pedagógico nas suas alegações?! (Mais uns pós pelo meio e era um enunciado perfeito para um exame da FDUC dos bons tempos!)
Teresa, foi a versão short. A longa ainda ficou nos neurónios.
PC, na história dos sobreiros a inspiração teria de ser muito maior pois aí não havia telefonemas de tios a marcar reuniões, primos a reivindicar favores, histórias de luvas de quatro milhões contadas a ministros, enfim, pouco ou nada tem a ver`, necessitaria de muita inspiração. Nesta foi só colocar o desvio que qualquer pessoa faria: denunciar a coisa.
Caro Vasco confesso que nunca leio posts com mais de 6 linhas...mas fico feliz por ter chegado ao fim do seu. Fantastico e olha que o tema nao me interessa nadinha. Sua escrita e' deliciosa. Keep the pencil sharp!
«O VLX é um moralista, um bota-abaixista, um pessimista. Assim, como é que este país pode andar para frente? São estes pseudo-intelectuais que atrapalham o pugresso, que póssamos sintonizar com a Europa. Por isso estes nunca hádem ouvir - foi um gosto trabalhar consigo». Aparte didascálico vergonhosamente esquecido pelo farsaturgo.
Tal pendor para a escrita deamática, merece outros voos e actores e entrechos, tipo:
"Catherine Deneuve","submarinos", "fotocópias do Ministério da Defesa", "condecorações de Rumsfield", escapulidelas de Processos Modernaças, etc. Isto com acompanhamento musical dos "Concertos de Violino de Chopin" e com o "Bailinho da Madeira" do Sr. Silva para os feirantres. Uma perfeita comunhão das "élites" com o povo.
Mais, protesto pelo emprego do verbo "ronronar", que designa um som, emitido pelos gatos domésticos, de pura amizade e gratidão, que nada tem a ver com a enxúndia maldosa e pretensamente humorística, do post
Mar de opinioes, ideias e comentarios. Para marinheiros e estivadores, sereias e outras musas, tubaroes e demais peixe graudo, carapaus de corrida e todos os errantes navegantes.