Por vezes não é tanto o que somos, mas o que representamos. A atitude de MFL - a sua relação com os eleitores - ultrapassa as limitações da personagem. Não lê Sartre à varanda nem Gide ao almoço? É provável. Não é excepcionalmente desenvolta a tagarelar? Talvez. Não é bela nem jovem? Certamente. Então o que representa? Pela negativa, uma ruptura com o PSD-chiclete, com o PS surreal e com o tom geral dos media:
1) O PSD-chiclete vem embrulhado nos autarcas eternos, autênticos marajás que tropeçam na realidade de cada vez que saem do sultanato. Um caminho vicinal não é uma auto-estrada. 2) O PS surreal , recorrendo a uma imagem de Hannah Arendt, é uma quantidade de gente sentada a uma mesa - o dinheiro para a propaganda - que subitamente desaparece. O PS vive hoje com uma única obsessão: fingir que a mesa não desapareceu. 3) Os media - o tom geral - cantam a rapariguinha do shopping matriculada no BE. Não estão para maçadas nem dispostos a pensar. Os assaltos na Brandoa, as causas fracturantes as canelas do Ronaldo cumprem a função. Perfeitamente.
A situação é teoricamente tensa porque vão faltar pequenas e grandes coisas. Os livros dizem que nestes casos a tentação de seguir o líder é mais forte, mas também mais reversível. O pressuposto messiânico ( Bion) da (in)consciência grupal de que o líder beneficia pode virar-se contra ele. Sobretudo se o líder continuar a prometer contra a realidade e não apesar dela. Pela positiva, o que MFL representa - ou pode representar - terá nos eleitores o efeito de um xarope amargo: o confronto com a realidade. Do que somos e do que teremos que ser. Não é nada fácil ganhar eleições dizendo às pessoas que têm vivido acima das suas possibilidades e que terão de aprender a distinguir o essencial do acessório. Depois do fecho do Milano Sera, em 1955, Feltrinelli desenhou um novo jornal. Em carta ao Partido Comunista, Feltrinelli dizia* que o novo projecto teria de ser livre de qualquer herança de iniciativas anteriores e desligado da tradição dos jornais oficiosos. O projecto de MFL, no que diz respeito à representação que os eleitores farão, terá de passar por aí: em ruptura com o passado manso e livre da língua de pau.
- E se o povo continuar a escolher o líder pelas aparências? - E se mesmo tendo aparecido à luz do dia o que estava 'debaixo da mesa', agora desaparecida, o povo continuar a acreditar, sabe-se lá por que bulas? A primeira parte da resposta é fácil: - ganha o PS. E ganha o PSD do chiclete (trabalham todos do mesmo lado da barricada). A segunda parte da resposta.... não sei, talvez seja por lá que se chega à tal consciência (antecipando o que não conseguem antever, aquilo que é pior ainda que o xarope amargo)
Filipe, a gente nova nem percebe o que andam cá o Zézito e a Manuela a fazer. Para esses não é preciso "confrontar a realidade", porque já não fazem outra coisa. Sócrates e MFL representam o velho poder, a continuação do modelo caciquista e autoritário do costume. Temos que abandonar estas pessoas que repetem os velhos padrões. O país já não é isto.
Exacto.Concordo com o último comentário.É precisso mais "massa crítica", não arregimentada a formatações, mais sociedade civil forte, mais ONGS (organizações não governamentais) que não se deixem "alinhar". Em referência ao post, acho essa da "ruptura com o passado" com MFL, uma ingénua "boutade". Como? Se ela é o Passado? Nos valores, na economia, nos usos e organização social que representa? Dispenso-me de falar em eleitorado rural, sub-urbano e urbano, coisas já consabidas. Livrem-se primeiro de jardins, santanas, carmonas, pachecos e passos e depois falem em rupturas.Ah, nem quero pensar se no "affaire Porto-Rico", o PR não tivesse sido eleito pelo PSD. Os "debaixo-da-mesa" que por aí não iriam, em parangonas e má-fé. Assim, vão distraindo a malta com argumentos de carpetes e pastéis de bacalhau.
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