Os números da criminalidade portuguesa - que tanto estão a assustar as pessoas - têm, entre outras, uma explicação razoável: Portugal é um entreposto de droga. Digo-o aqui há muitos anos. O mercado da droga é
particularmente violento e gera níveis assinaláveis de corrupção
política e judicial.
Posto isto, continuemos o número anterior e regressemos às Filipinas: depois da guerra de Cuba, os EUA converteram as Filipinas num protectorado (1898). O ópio era já um problema na região devido à grande comunidade chinesa aí instalada. Os chineses de Manila eram os s
angleys, como os ingleses os desiganariam mais tarde, termo que provém do chinês
sang lui - " classe dos mercadores" - ou, mais adequadamente, de
shehg li - "os que ganham a vida" , em dialecto de Fujian.
Nas imediações da fortaleza de Nª. Srª. do Rosário, na ilha de Ternate, existia desde o tempo do governador espanhol, D. Pedro Munõz de Aramona y Mendiola ( 1636-1640), um subúrbio de
merdekas ( do malaio
mardikas - "homens livres"). Dedicavam-se ao comércio de arroz, vinho de palma e tecidos. Esta ligação , entre o "Pequeno Lução "( como os chineses baptizaram as Filipinas) e Fujian continuou nos séculos seguintes e pode ter sido responsável por uma invenção genial: o hábito de fumar ópio. Os chineses receberam dos castelhanos a técnica de fumar tabaco e associaram-na ao ópio. Talvez possamos ver isto mais tarde ( é um assunto que me seduz toneladas) , mas por agora regressemos à primeira proibição mundial do ópio. O Bispo Brent apresentou, em 1904, em Manila, o seu plano para a erradicação total da droga. Três fases:
a)Manutenção do monopólio ( que Madrid tinha instituído) durante três anos com venda exclusiva a chineses.
b) Redução gradual das rações de ópio e encerramento progressivo dos
dens.
c) Excepções apenas para fins terapêuticos: a desabituação em hospitais.
Em 1908 o plano foi finalmente cumprido. A primeira proibição integral do comércio e uso do ópio estava consumada. A História, como todos sabemos, encarregou-se de a mandar às urtigas. De nada serviu o aviso feito pelo presidente Lincoln, pouco mais de meio século antes:
quando proibimos deixamos de saber quem consome, o que consome e quanto consome.A proibição pode não só manter como aumentar o consumo que se pretendia aniquilar, tanto quanto acarreta a perda de taxas e de impostos que se podiam arrecadar noutro contexto. A mensagem que a experiência filipina enviou foi cristalina:
a proibição como única forma de controlo, a lei como garantia da proibição.As conferências internacionais de Xangai ( 1909) e da Haia ( 1912) confirmaram a nova filosofia. O Ocidente, através da América, iniciava a
war on drugs.
( cont.)
Bibliografia: variada, já se sabe, mas sobretudo: Musto ( 1999) , Butel ( 1995) e Rudgley ( 1999) .