Um dos erros de análise mais frequente cometido por quem discute potenciais alterações ao actual sistema de controlo mundial da produção e comércio de estupefacientes é o de julgar que ele pode ser alterado por decreto. Esse erro resulta da ignorância acerca da forma como o sistema foi estabelecido: demorou meio século, teve antecedentes de outro tanto e sofreu muitas peripécias pelo meio. OS EUA lideraram o processo desde o início, e o início tem origem na Prohibition ( Lei Seca). Os fundamentos assentaram numa mistura de fanatismo puritano com uma peculiar concepção do Bem, temperada com o way of life dos vencedores da Guerra da Secessão. Se relermos Tocqueville lá encontraremos a admiração do francês pelos códigos do Connecticut: tão liberais ao permitir a participação do povo nos assuntos públicos e a eleição de todos os agentes do poder executivo quanto castrantes ao proibir os cabelos compridos ( precavidos...), o adultério - punido com pena de morte e ao regular escrupulosamente a quantida de vinho servida nas tabernas. O percurso até ao Volstead Act (que eleva a Temperança a lei federal, em 1919) é fascinante mas não cabe aqui. Recordemos ainda assim que a WCTU ( Women's Christian Temperance Union) e a ASLA ( Anti-Saloon League of America) fundadas, respectivamente, em 1784 e 1853, foram motores incansáveis na primeira tentativa bem sucedida de dominar a intoxicação. A Temperança afrontava o álcool armada com o aparelho religioso-cultural dos primeiros colonos: associava-o à pobreza, à dissolução de costumes e à indigência moral. A chegada de milhões de imigrantes católicos e bebedores ( polacos, alemães, irlandeses e italianos) incomodaram e estimularam a cultura sober e old timer. Lentamente caminhou-se para perfeição. Quando as primeiras conferências mundiais sobre narcóticos ocorrem - Xangai (1909) e Haia (1912)- já os americanos há muito estão no terreno. Se o leitor se recorda, o bispo Brent e o senador Taft tinham já lançado nas Filipinas ( 1904) a sementinha: interdição absoluta de produção, comercialização e consumo de opiáceos. No próximo número examinaremos o longo caminho até ao Opium Protocol de 1953.
Bibliografia: diversa, incluindo Jay (2000), Junger (1968), Behr (1996), Vicente (2003).
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