Perguntas. Se bem compreendo, há pessoas querem viver em união de facto com (todos) os mesmos direitos dos que estão casados. As críticas que tenho lido flutuam quase todas nisto: "Se é assim, por que não se casam?". Não ocorre aos críticos da regulamentação, que duas pessoas queiram viver juntas muitos anos e que uma delas - por motivos que não nos dizem respeito - não queira casar? Por que raio é que esse par, sobretudo o desgraçado que até se queria casar ( por motivos que não nos dizem respeito), há-de ter menos direitos do que a Maria e o Manel que se casaram como manda o figurino? Existirão excêntricos que querem viver juntos exactamente como se estivessem casados e não querem assinar o papelinho? Com certeza. E qual é o problema?
A união de facto também pressupõe a assinatura de um papelinho. Não me parece justo que a figura da união de facto parasite a figura do casamento só porque alguns têm alergia à palavra "casamento". Não se importam de ficarem "casados de facto", mas não querem que lhe digam que estão casados.
"há pessoas querem viver em união de facto com (todos) os mesmos direitos dos que estão casados". Pois, mas então que se casem mesmo, porque também há pessoas que querem viver em união de facto sem todos ou quase todos os direitos e deveres dos que estão casados. Ou será que se caminha para uma terceira figura júridica. Além do casamento, teríamos a união-de-facto-igual-ao-casamento-excepto-no-nome, e a união-de-facto-verdadeiramente-levezinha-nos-direitos-deveres.
A meu ver, a questão não se reduz ao querer ou não querer assinar o papelinho. O Estado tem que atentar e proteger comportamentos socialmente relevantes. Assim como no passado o Estado interferiu na regulamentação do casamento porque percebeu que esta instituição era algo de muito relevante para a evolução das sociedades, hoje, percebe-se que as uniões de facto vêm paulatinamente ocupando o papel antes reservado ao casamento e como tal estas merecem especial atenção e protecção do Estado. Por outro lado, no veto de Sua Excelência Presidente da República não se compreende o argumento da inoportunidade. O mandato do governo e AR são 4 anos não são 3 anos uns meses.
E quem pretender viver com alguém uma relação efémera, apenas porque sim. Fica limitado a quê? Os mais abonados podem sempre ter duas casas, dormem onde lhes apetece, os menos abonados perdem os Direitos que até agora dispunham?
Filipe, só para animar o debate: A, viúva, vive em união de facto com B, só não casando com ele porque nenhum dos dois quer perder a avantajada pensão do falecido marido de A, funcionário público destacado e profícuo coleccionador, nos últimos anos, daquele tipo de cargos políticos que engordam enormemente as pensões. B morre, qual Jacinto Galeão, vítima de um excesso de lampreia de escabeche paga pela pensão do marido de A. A, na qualidade de uniã-de-facto-viúva-agora-solteira-outra-vez, mantém alegremente a pensão do falecido marido e o direito do unido B relativamente a um simpático palacete na Lapa que B tinha arrendado por 385$50 a uma família que, em Março de 1975, tinha fugido para o Brasil via Madrid. A esquerda e a extrema da dita acham tudo isto muito bem.
Pergunta o FNV: "Existirão excêntricos que querem viver juntos exactamente como se estivessem casados e não querem assinar o papelinho? Com certeza. E qual é o problema?"
Nenhum problema quanto a quererem viver juntos, exactamente como se estivessem casados, e não assinando o papelinho.
Os problemas não têm a ver com o que se passa dentro de casa, mas com os impactos sociais dessa união.
O primeiro problema é o de que o casamento é uma instituição que o Estado considera relevante para o desenvolvimento da sociedade e, por isso, consagrou um conjunto de direitos e deveres dos cônjuges. Alguns dos unidos de facto querem beneficiar de direitos semelhantes aos do casamento, sem pretender assumir obrigações que o Estado entende relevantes para o desenvolvimento da sociedade. Isto é um problema para o Estado, que quer garantir direitos quando as pessoas estão dispostas a assumir obrigações no desenvolvimento da sociedade. Sabe o FNV que há muita gente (alguma da qual conheço pessoalmente) que não se casa apenas e unicamente porque, se se casasse, a mulher perdia o rendimento mínimo? Ou seja, como casal que são, efectivamente, têm um rendimento que não daria lugar a rendimento mínimo. Mas, como "mãe solteira" (apesar de só ser "solteira" de nome) têm direito a ele. E a maior fatia da minha crítica não incide sobre o desejo de querer mais trocos no fim do mês, mesmo que a eles não se tenha moralmente direito. O que mais critico é, até, vivermos num estado que quem se quer casar não o faça por isso ter um impacto negativo nas suas finanças.
O segundo problema, mais "filosófico", é o de muitos dos que defendem esta aproximação do regime da união de facto (apenas nos direitos, claro está...) ao casamento, são os mesmos que defendem a eliminação dos deveres do casamento, para o aproximar da união de facto. O que querem - e não vale a pena ser ingénuo - não é defender puras questões sucessórias, fiscais ou de arrendamentos (que podem bem ser reguladas nos respectivos regimes de direito sucessório, fiscal ou do arrendamento), mas apenas, através da dissipação das suas características (as acima referidas e também a de ser uma união entre pessoas de sexo diferente), eliminar o casamento da sociedade, instituição que consideram caduca e arcaica. São livres de o pretender. Podiam era dizê-lo frontalmente.
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