Irei pelo bosque procurando o caminho dos lenhadores. Série sem pretensão doutrinária, apenas o simples prazer de pensar e discutir.
É precisamente no enfraquecimento do laço biológico que começa o enfraquecimento da família. A massa consumidora de qualquer último modelo de qualquer coisa reune-se nesse ponto aos movimentos LGBT: o desprezo pelo biológico . No outro dia, um psicólogo dizia na Pública que está na altura de questionar a importancia fictícia dos laços da carne. As alianças de circunstância produzem, no entanto, resultados inesperados. Os vínculos aos velhos e às crianças são um impedimento para a mobilização infinita ( com licença de Sloterdijk). Quando nos divorciamos , tendo crianças pequenas a cargo, para obter melhor sexo, mais sossego ou essa coisa com boné de marinheiro ( o amor), somos agéis: vou continuar a ser pai, vou continuar a ser mãe. Notem que neste ponto o laço biológico é subitamente valorizado ( a culpa faz milagres). O pais são os pais biológicos, mesmo que depois estabeleçam com os filhos um tipo de relação que fará a fortuna de consultórios como o meu. Os desprezo pelos laços da carne que os LGBT nutrem é mais compreensível. Num casal, masculino ou feminino, um deles não poderá estar unido à criança pelos tais laços da carne. E, sim, há casais do mesmo sexo. Um casal é uma realidade observável, evidente, e o facto de ser do mesmo sexo não invalida a classificação, a menos que estejamos reduzidos à biologia das cabras e dos bodes.Para mais, um casal é definido por quem o compõe. O problema é outro. Um dos argumentos clássicos nos defensores de adopção em casais homossexuais é o do desejo. Fazem muitas vezes a comparação entre a gravidez nascida de um a noite com muito álcool com os perseverantes trabalhos que passam lésbicas e gays. Um erro óbvio. Aqui há tempos, um resort espanhol propunha um pacote lésbico: férias, praia, spa e inseminação artificial em absoluta confidencialidade e segurança. A equivalência retórica só é possível porque o laço biológico, impossível de ser pleno para ambos, tem de ser electrocutado. Qualquer uma destas gravidezes é fortuita - de uma bebedeira ou de umas férias na praia. Aliás, muitos casais hetero fazem bebés fortuitamente em férias de praia ( ou em reconciliações à beira-mar).
o problema é que depois dos muitos e perseverantes trabalhos que passam lésbicas e gays, vêm outros perseverantes trabalhos, e a probabilidade de dar asneira, tenho para mim, é muito maior em casais lésbicas e gays pelo que o Filipe escreveu, um deles (ou os dois) não poderá estar unido à criança por laços de carne.
Conheço um caso de adopção por um casal (heterosexual, claro): adoptaram um menino, o menino morreu de uma malformação cardíaca, adoptaram uma irmã do menino (as mães biológicas desses meninos têm filhos em série). O paraíso, uma menina linda e saudável, uma casa fabulosa. 3 anos depois o casal divorcia-se, ninhum quer ficar com a menina.
Tenho alguma dificuldade em perceber argumento do post. Ou seja, o que ele quer provar. Calculo que estejamos de acordo quando falamos do laço biológico no sentido do laço percepcionado. Ou seja, que não acreditamos na diminuição da força vinculativa (em termos de afecto) do laço biológico, quando este não existe mas apenas percepcionado. Ou seja, que um pai não ama menos os seus "filhos de cúco" de que não sabe que não são biologicamente os seus. Que se valoriza os laços biológicos depois do divórcio não espanta. São os únicos que restam inquestionáveis, depois de renunciado (ao menos parcialmente) outros. E saberás melhor que eu da teoria que os filhos têm a função de atenuar o nosso desgosto inconformável com a nossa mortalidade. Parece-me plausível, embora não sei em que medida é importante que sejam biológicos. Não acreditando na percepção extrasensorial de laços biológicos, os laços parecem-me ter origem cultural, e são assim sujeitos à mudança de percepção e valorização pelas pessoas. Não vejo grande diferença em que uma pessoa projecta a sua imortalidade ao filho biológico ou adoptivo. A criação e consolidação do afecto, do compromisso, tem como determinates a disposição/capacidade geral da pessoa, o investimento emocional já feito, e o quadro de valores herdado do seu ambiente. Esse último está em mudança. Podemos ou não gostar disso, mas chamar a biologia para o caso, parece-me uma mistificação.
Podemos ou não gostar disso, mas chamar a biologia para o caso, parece-me uma mistificação. - Lutz
Não creio que seja mistificação.
Não há qualquer analogia entre a possibilidade de adopção por um homossexual, sendo que este se une a outro e ambos criam a criança, e a adopção por dois pais ou duas mães. Tanto não há que em muitas famílias a primeira situação não dará azo a que a criança trate por "pai" ou por "mãe" o homem ou mulher com quem o adoptante se uniu. Tudo depende da dinâmica familiar, em particular da relação que se estabelece entre a criança e a pessoa em causa. Se é assim do ponto de vista social, do ponto de vista legal a distinção é ainda mais clara: uma coisa é o legislador permitir a adopção monoparental, mesmo com a possibilidade de a criança nascer num lar e ser educado por ambos; outra coisa completamente diferente é o legislador permitir a adopção por um casal homossexual. Da segunda situação decorre explicita ou implicitamente um reconhecimento da idoneidade do casal que não decorre explicita nem implicitamente no primeiro caso. No segundo caso, mas não no primeiro, o legislador manda às malvas a questão biológica e é esse passo que ainda falta dar. E depois há a questão da efectividade do direito à adopção: se a adopção deve ser preferencialmente por casais heterossexuais e sabendo-se que há mais candidatos adoptantes do que crianças a adoptar, parece-me que adopção por homossexuais será mais um daqueles direitos que não passa de uma carta de (boas ou más) intenções.
FNV, importas-te que, como pai adoptivo (não “biológico”), de um único filho, me sinta um pouco desconfortável com a tua crónica? Pelo meu lado, pelos vistos, ficou um pouco enfraquecido o tal “laço biológico” que cimentaria a sociedade… E importas-te que ponha em causa esse suposto “desprezo” dos LGBT pelo biológico? Não faço ideia como é que concluiste isso. Mas desconfio que até eles têm pai e mãe e tios e primos; que não estamos a falar de androides que ocupam o tempo a flanar em spas e a beber margueritas. Talvez, simplesmente, não tenham filhos pelos métodos biológicos naturais (parece-me, parece-me), pela simples razão de que, sendo casais homossexuais, não podem ter filhos pelos métodos biológicos naturais.
Pois é, caramelo. Por isso, no caso de se vir a aceitar o casamento entre pessoas do mesmo sexo, não poderá ter aplicação a norma que determina presumir-se que o filho nascido na constância do casamento tem como pai o marido da mãe. Num casal de lésbicas isso nunca acontecerá.
Esta coisa de querermos vestir roupa que não foi feita para nós nunca dá bom resultado, fica sempre curta nas mangas...
Pois, VLX... suponho que essa tal norma nunca se aplicará a um par de lésbicas. E?... Isso é importante para esta discussão, exactamente porquê? Mas estou curioso: será que também a mim me ficam curtas as mangas?... ;)
eu não queria dizer que nao acredito na adopçao, longe disso, tenho 2 sobrinhas adoptivas e uma prima adoptiva, ambos os casos em familias monoparentais. Mas os laços não são um clique, principalmente quando se adoptam crianças maiores, que conhecem um passado. Não é de um dia para o outro que "tu és a minha filha" "tu és a minha mãe". Mas sou uma feroz defensora da adopçao, porque toda a criança tem direito a uma familia.
Mar de opinioes, ideias e comentarios. Para marinheiros e estivadores, sereias e outras musas, tubaroes e demais peixe graudo, carapaus de corrida e todos os errantes navegantes.