Frio e crise, voltemos ao fogão. Os assados tradicionais permitem economia. Se fizermos uma grande quantidade ficamos com refeições feitas para vários dias, poupando depois tempo e energia. Por outro lado, podemos utilizar peças e tipos de carne mais baratas que uma boa marinada e um longo tempo de cocção tornam refulgentes ao palato. E de caminho aquecemos a cozinha. Nada de creme de fava penca da Nigéria na sua crosta de algas glaceadas. Notas de prova:
1)Galinha corada - gorda e grande - recheada com maçãs e castanhas. Se houver no frigorífico um foie, oferecido por amigo abastado, enfiemo-lo ( o foie, não o amigo) na poularde a aconchegar as batatas pré-Cortez e as reinetas. Barre-se a taralhouca com alho, azeite e temperos avulsos.
2)Ganso de vaca à financeiro. O nome engana. A peça é barata e escolhemos uma de 2kg de peso morto. Tenho experimentado uma variação do pastrami: deixo-a um ou dois dias a marinar em vinagre legítimo, água , cebola, alho, limão, vinho branco, louro,um cravinho e pimenta. Depois vai ao forno, lento e longo, envolvida na sua autóctone cobertura de gordura (uma espécie de redanho que pedem ao talhante para não remover) e os indispensáveis temperos ( colorau, massa de alho, banha e salsa). As cenouras e cebolinhas pequenas dão o toque financeiro ( eu disse que era um leurre).
3)Chanfana. Nos mercados municipais encontram cabra velha. Se não tiverem em casa um forno de lenha e uma panela de barro preto de Molelos, encomendem a quem sabe da arte. É o que eu faço. A Dona Idalina, da Aveleira, Penacova, faz-me o favor de a trazer. Depois é só seguir as placas que indicam o céu ( segue-se na direcção do Estádio da Luz e vira-se à esquerda) .
Um detalhe quase irrelevante: o da economia dos pratos de forno. Na realidade os pratos de forno eram tradicionalmente pratos de festa por duas razões 1) a energia cara; 2) de maneira geral implicam peças inteiras de carne, que era coisa de ricos durante a maior parte de tempo da humanidade. Portanto o forno é de facto prático mas incomparavelmente mais caro que um arroz de farinheira ou uns feijões guisados com toucinho ou um caldo de nabos. Estou por acaso a trabalhar num projecto sobre alimentação e biodiversidade exactamente para ver se se consegue tornar mais claro para as pessoas que podem fazer as opções que quiserem quando almoçam, mas se escolhem saladas de alface e tomate, financiam as estufas do sudoeste alentejano, e se escolhem couves segadas como para o caldo verde e salteadas, financiam as hortas onde crescem as couves pencas. henrique pereira dos santos
Claro que sim, Henrique. O problema é que hoje, nas cidades, já não há forno, ou fogão a lenha. Acabam por ser pratos económicos pelos motivos que enumero. E têm o seu lado saboroso e especial. S quisermos economia pura e dura fazemos ovos mexidos com atum e arroz.
Caro Filipe Nunes Vicente, Expliquei-me mal com certeza. Se uma pessoa tomar um banho de meia hora de água quente a correr tem consciência do gasto de recursos que isso implica (e toma ou não toma um banho comprido sabendo isso). Na alimentação estamos ainda numa fase muito anterior de consciência no uso dos recursos. A sua resposta com outro prato envolvendo bastantes recursos é um bom exemplo disso. O meu comentário pretendia apenas fazer notar isso (e nunca falar de conomia pura e dura como foi entendido). henrique pereira dos santos
Agora que se aproxima o Natal, recordo o cabrito assado no forno de cozer o pão que a minha avó fazia nesta altura, e na Páscoa. Cabrito criado em casa, claro. (Desnecessário dizer que todos os ingredientes eram da casa.) Ou as suas sopas, com tudo e mais alguma coisa - nem a porcaria da sopa da pedra que encontramos nos shoppings lhe chega aos calcanhares em termos de 'substância'.
Coza feijão branco apenas em água.Depois junte bastante tomate(sem pele),pimentos verdes(1 ou 2 sem pele),uns quantos dentes de alho,pimenta,um poucochinho de louro,cebola picada,azeite e sal.Ferve até a sopinha estar apurada.
Eu, quando era miúdo, ia com o meu Pai a Cernache buscar caçoilinhos de barro vermelho de chanfana (era isso, a as febras de porco da feira de santa eufémia). Não é preciso ser de molelos. Eu próprio faço uma chanfana divinal em barro vermelho e no forno a gás. Essa do forno de lenha e do barro preto é fundamentalismo. O segredo está na cabrona e nos temperos. E sobretudo, não a comer no próprio dia em que é feita. Espero que a boa da Dona Idalina te tenha avisado disso.
FNV, cum catano, tu tens de ver esse meu "fundamentalismo" cum bocadinho de grano salis. Queria eu dizer que pode-se bem fazer uma boa chanfana sem o barro preto e a lenha. Só isso. Também há quem jure que boa chanfana só no Senhor da Serra, se bem que o Jaime Soares afiance que chanfana só em Poiares ;) Era só isso, pá, pôças.
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