A família tradicional é o melhor lugar ( no sentido de Marc Augé) para educar crianças. Corresponde a um mandato natural ( um casal heterossexual), assenta num princípio de colaboração, diversa e recíproca, e inclui mecanismos de solidariedade mecânica ( aperfeiçoados relativamente ao conceito original de Durkheim). Pode assumir outras formas? Claro que pode. Quando duas mulheres decidem casar, vão a um banco de esperma buscar espermatozóides, uma delas engravida e decidem criar um filho de pai incógnito, ninguém pode dizer que não farão uma boa faena. O mesmo se aplica ( en passant os ajustamentos óbvios) a um casal de homens. O problema não são os casos particulares. O problema nem é a engenharia. O problema é a violência da representação. A reivindicação LGBT do direito a constituir família interpreta correctamente a decadência da estrutura. Esta decadência começou na própria família tradicional quando incorporou a aspiração ao prazer, à felicidade e à liberdade individual. Criar filhos, e não caniches, e viver muitos anos com outra pessoa não é uma partitura compatível com a cultura sobre-capitalista e hiper-consumista dos nosso dias. É uma massa feita de tédio, trabalhos e dias, resistência, abdicação. Também é certo que ninguém é obrigado a tal, mas isso fica para outro post.
"É uma massa feita de tédio, trabalhos e dias, resistência, abdicação". Se eu fosse a sua mulher, fnv, ficaria arrepiada da descrição. É por isso que há o amor para se sentir o prazer de o fazer em relação a um homem "tédio, trabalhos e dias, resistência, abdicação" mas "tas bem". E há a prolactina para passar meses a mudar fraldas, dar de mamar, adormecer "tédio, trabalhos e dias, resistência, abdicação" e ser recompensada apenas a olhar a carinha da criança que nos escraviza.
1)Norma? Antes pelo contrário: se há coisa subversiva e escorregadia é o arranjo familiar.
2) Claro que há o amor e isso tudo. Preferi vincar o resto, aquilo que desfaz os pombinhos pouco depois de terem vindo de Varadero e antes de ele ter decidido que a amiga da mulher, não-grávida, é afinal mais interesante e dizem os psis que os divórcios até são preferíveis quando os filhos são bebés e etc e tal.
Quando os românticos do século XIX começaram a misturar amor e casamento o caldo entornou-se. Na realidade o casamento é um contrato social que visa reduzir os conflitos na gestão do património (sobretudo nas heranças) e socializar as crias. Quem achar que este é um espartilho excessivo não precisa de pedir que o casamento seja outra coisa, basta evitá-lo, porque o amor não precisa do casamento para nada. henrique pereira dos santos
"o amor não precisa do casamento para nada." Finalmente, após 30 anos a pensar totalmente diferente, acho que tem razão. Só os burros é que não mudam. Ou será incoerência? Mas o casamento precisa de amor, ou carinho, ou cumplicidade senão é uma nauseante farsa.
"porque o amor não precisa do casamento para nada."
Nao precisa?!... Entao, um casal (uma homem e uma mulher) que querem viver juntos e ter filhos (por amor entre ambos e pelos filhos) nao precisam de uma proteccao socialmente reconhecida.
O pavor pelos homossexuais ja' vai tao grande que ja' negam o casamento tout court. E' mais um caso em que la' vai o bebe com a agua do banho.
E" um mero contrato para a gestao de patrimonio. E que para o amor basta uma cabana. Cambada de nihilistas, fonix!!!....
"O casamento feliz é e continuará a ser a viagem de descoberta mais importante que o homem jamais poderá empreender."
É pena que o escritor que escreveu esta frase tenha sido um solteiro que viveu um amor infeliz.
Ou talvez por isso. Nunca tenha tido "uma massa feita de tédio, trabalhos e dias, resistência, abdicação" e por isso podia romantizar.
Bem, bem o fnv não tem culpa que esteja a chover por isso vou parar de o provocar.
Julgo que o que penso (mas ainda não é certo, estou-me a cristalizar, a amadurecer) é que "o relacionamento feliz entre um homem e uma mulher (ou outros, não é um juízo de valor) é e continuará a ser a viagem de descoberta mais importante que o homem/mulher jamais poderá empreender."
Será? Eu gostei de ir ao Japão...escrevi...K tinha talvez menos possibilidades de viajar. Sou tão cínica :)
Vá, até fiquei emocionada com esta frase. E agora vou jantar fora e ver, mas esperar não ver, como são tristes casamentos/relacionamentos de fachada apenas porque têm medo de ficarem sozinhos. Não são todos. Não são sempre. Mas que os há, há. É como as bruxas.
Tentando ser mais claro: o amor até pode coincidir com o casamento, mas não é esse o fundamento do contrato social. Isso não tem nada com casamentos de fachada e infelicidades e etc.. Há infinitas maneiras de prevalecer (esta é do Jorge de Sena). henrique pereira dos santos
Afinal o cínico é o fnv. Outro que não acredita no amor. Essa treta. (eu não sou amada por nenhum homem porque acredito que um dia o que eu entendo por amor vai acontecer (sou exigente); nem que seja no lar de terceira idade) :) E se morrer antes, venho cá do outro lado dizer-lhe se pós-morte ("a única coisa que é gratuita é a morte" Freud), se há. Quem era o poeta francês que dizia que quem teve um sonho grande não se deve contentar com um menor? Será que ser adulta é não acreditar no amor? Amorrr. Cínico. E despenteado. Máxima absoluta: nunca confiar num homem que gosta de aparentar estar despenteado :)
A protecção socialmente reconhecida decorre da utilidade que o Estado (isto é, nós) atribui ao casamento. Ora para o Estado o amor é inútil, mas já a diminuição da conflitualidade da luta pelo património deixado em herança ou a socialização das crias pode ser considerada muito útil socialmente(e eu até acho que é). henrique pereira dos santos
Pelos vistos não só para o Estado. Mas percebo o seu ponto de vista. Eu cresci com a ideia do casamento ser sagrado e não entendia relacionamento fora do casamento. E, se por exemplo, simpatizava com um homem divorciado eu tinha que logo que o fazer afastar do meu pensamento porque na minha visão não havia qq possibilidade de relacionamento. Passei mais tempo da minha vida a tentar não amar que a permitir-me amar. Agora é como o carro, as viagens, os livros, o teatro, o cinema, tenho pouco tempo para mim então o tempo tem de ter qualidade. A vida não tem de ser exactamente como a imaginei, posso mudar e mudei muito mas no essencial está a custar-me mudar. Porque o essencial é acreditar que o amor não é essa treta. Sucedâneo, não. (fnv nesta não se aceitam brincadeiras, se é psi sabe)
Desculpa la', FNV, "o pavor aos homossexuais" nao era contigo. Nem o meu comentario e' mal-humorado. So' acho graca os malabarismos com as definicoes (o malabarista nao es tu!) para evitar o casamento dos acima citados que acaba por praticamente deslegitimar os casamentos "normais".
"1) da utilidade que o Estado (isto é, nós) atribui ao casamento.
2)Ora para o Estado o amor é inútil,"
Juntamos 1) e 2) para concluir que, para nos, o amor e' inutil. Desculpa la', Henrique, fala por ti. Para mim, nao e' inutil, e' ate' das poucas coisas verdadeiramente importantes.
E' alias por essa razao que se conclui que o casasmento deve provavelmente ser generalizado e alargado a casais do mesmo sexo. Porque existe amor entre pessoas do mesmo sexo, e existe um interesse social em que os seus modos de vida sejam socializados de modo positivo e tamben protegidos pela solidariedade social. Mas isto sempre SEM NEGAR OU DIMINUIR o valor original que aprendemos a atribuir ao casamento entre pessoas do sexo diferente. E o apoio devido 'a espontaneidade da relacao amorosa de jovens casais hetero e consequente formacao de familia (bebes, voila!)
As divagacoes sobre as condicoes do amor sao muito interessantes e excelente tema literario. Mas, no caso presente, basta-nos a constatacao simples: existem muitos casais que se amam e que embarcam numa vida em comum.
Caro Filipe: há um problema cultural insanável quando se interpreta a família tradicional assim pela estética do consumo como o FNV apresenta. Aliás eu que casei tarde e gozei (com) a vida, reconheço hoje à relação monogamica estável inestimáveis compensações... De resto "a família" é uma construção admirável, acredite. E quão incrível é a capacidade imaginativa do Homem para ser infeliz. Abraço
Nesta matéria há muitos lugares comuns absolutamente verdadeiros (lamento informar os que procuram persistentemente a pedra filosofal). Um deles é que o amor tem ciclos e metamorfoses, e se transforma como (e com) a própria vida. Quando ouvia ( e ouço ainda muitas vezes) casais da geração dos meus pais dizerem que "o amor continua e até cresceu com os anos", eu achava estar perante um testemunho apologético a tresandar a voluntarista. Mas hoje percebo-os muito melhor e sei do que falam. O amor que cresceu pode não ser exactamente o amor que aumentou, em fogueiras permanentes de exaltação e doses regulares de estrogênio e testosterona, endorfinas, dopamina e serotonina. O amor de quem está junto 50 anos pode realmente "crescer" na medida em que os próprios crescem, com aquisições e perdas. Cresce porque é datado e evolui com a vida, não cristaliza na demanda da juventude (e aqui é que bate o ponto). Cresce porque se torna adulto. Cresce porque vê mais longe que o imediato. E cresce sobretudo porque percebe o "protocolo" e quer realmente que a fusão sobreviva.
Outro lugar comum: embora haja encontros de excepção (e há) a maioria das pessoas não encontra propriamente a sua alma gémea (the one and only). Até sou dos que acredita piamente que essa metade perfeita exista, e exista sempre. Mas há milhões de factores que frustram essa eventualidade. Logo, a reconstrução é completamente possível, não há segundas escolhas nem refugo. Nada de manter o retrato à cabeceira...
Caro Miguel, Dizer que o Estado somos nós não é o mesmo que dizer que nós somos o Estado. Portanto a sua conclusão das minhas premissas está errada. henrique pereira dos santos
Acredita no amor para sempre? "Amar sempre a mesma pessoa de forma diferente." Eu acredito no amor para sempre. Mas julguei que era só eu. E que eu era fora da norma e mais ninguem já realmente acreditava no amor para sempre.
Contra factos não há argumentos. Quem não percebe nada de relações, da realidade e de amor é que diz estas coisas romanticas, imaginarias e loucas. (terminar um projecto para a FCT faz-me sempre ter catarse :)
Acho que uma criança que nasce tem o direito que os adultos lhe tentem dar um casa, uma família, uma estabilidade de relação e talvez até um casamento. O amor não é o imaginário é a decisão de se partilhar uma vida, tb com tédio, rotina, etc.
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