"Vale de Almeida parece acreditar que o valor simbólico do casamento pode ser transferido para as uniões gay por decreto, como se a sociedade fosse constituída por pessoas acéfalas que não percebem que, se a lei muda a instituição não é a mesma e o valor simbólico também não. O valor simbólico do casamento não foi criado por decreto e não é por decreto que pode ser transferido".Esta posição do João Miranda tem alguns aspectos interessantes e como toca nas representações sociais, e não no direito, meto a colher::
1) Um dos efeitos das leis é precisamente o de alterar os institutos normativos da sociedade. Dito de outro modo: às vezes tem de ser por decreto. O caso da Constituição portuguesa saída do 25 de Abril é cristalino. Continuámos a ser um país racista (não podíamos ser outra coisa com uma história colonial como a nossa), mas preparado/obrigado para/a ser diferente.
2) A representação de um valor, ou de um modo de vida, também depende do campo normativo. Quando o estado confere dignidade a um modo de vida, pelo menos
uma protecção desse modo de vida fica assegurada. Se o conformismo desempenha um papel essencial na construção das representações, o impulso para a criação de um laço social homogéneo também.
3) Em plena crise da secessão norte-americana, uma quantidade incrível de emendas constitucionais sobre escravatura foi submetida ao Congresso. Entre Dezembro de 1860 e Março de 1861 foram apresentadas 150 emendas. Este exemplo serve para dizer o seguinte: sempre existiu a percepção de que a regulamentação de valores e modos de vida pode ser tão efectiva como a lenta selecção dos mesmos.