Bem vistas as coisas, a esquerda nunca gramou muito o casamento nem percebeu bem aquela instituição. Durante décadas vilipendiaram o casamento, considerando-o coisa burguesa, falsa e de aparências, idolatrando antes a união de facto e o facto indiscutível da existência de pluralidade de uniões. A independência de cada um e de cada uma, a liberdade de cada um e de cada uma, a prevalência dos afectos eram incompatíveis com a estabilidade e a tendencial perenidade da situação que achincalhadamente descreviam como "de papel passado". No fundo, consideravam o casamento um rótulo e aqueles que nele participavam como membros de um clube ao qual não queriam pertencer por nada deste mundo.
Este ódio visceral da esquerda à família e ao casamento, aliada ao facto de não os perceberem (ou não quererem perceber), levou-a a situações caricatas. Começou a esquerda por idolatrar o divórcio como se este fosse coisa boa e não, no fundo, a constatação do falhanço total das intenções e vontades de duas pessoas em partilharem e formarem uma vida em comum. Defenderam até (pasme-se!) que o divórcio era coisa boa para os filhos (que é só levar o egoísmo a tal nível que não se percebe que os filhos são quem mais e mais duramente sofre o falhanço do contrato celebrado pelos pais). Pelo meio, e no meio da sua baralhação mental, equipararam a união de facto ao casamento, fazendo até com que aqueles que apenas pretendiam a união de facto sem os deveres do casamento se indignassem.
Sempre a imaginar o casamento apenas como um rótulo e um conjunto de direitos (ao invés de ser um conjunto de deveres com determinada finalidade), a esquerda exultante e ignorante aboliu a importância desses deveres inerentes ao casamento ao abolir as consequências negativas da violação desses deveres. Se a violação desses deveres não releva nem tem consequências, os deveres não têm importância alguma: a parte mais frágil parte-se sempre. No fundo é como se não houvesse punição por se exceder o limite dos 120 kms/h nas auto-estradas, mesmo que esse excesso de velocidade provocasse estragos e feridos.
Equiparado o casamento à união de facto, esvaziado de importância e de deveres, hiperfacilitado o divórcio, ainda assim a esquerda socialista não deixou o casamento sossegado. Vai daí, e sempre a considerá-lo um rótulo, decide que o mesmo deve integrar casais do mesmo sexo. Não importa se a instituição foi pensada para coisa substancialmente diferente, por decreto tudo se resolve no ideal estado socialista. Não importa sequer perceber que as normas relativas ao casamento implicam um conjunto de deveres (mais, muito mais do que direitos), deveres esses cuja razão de ser não releva minimamente para as relações homossexuais. Só lhes interessa o rótulo, pois para esta esquerda o casamento se resume ao rótulo.
No meio deste contínuo ataque da esquerda ao casamento, a comunidade homossexual faz um pouco o papel de idiota útil. Imagino que qualquer casal homossexual preferisse ter a capacidade de adoptar de cara destapada do que ter acesso ao papel passado, a um conjunto de deveres que não lhe interessam nem se justificam e só aprisionam. Mas isso os socialistas não lhes conferem, tratando-os, aí sim, verdadeiramente como desiguais. E a comunidade aceita e exulta. De onde concluo que à comunidade homossexual também não interessa o casamento e os seus deveres: apenas querem o rótulo. Acontece que, ao contrário do que julgam, o casamento não é um rótulo.
Caramba, Vlx, finalmente o cerne da questão. Querem o “rótulo” ficam com rótulo. Bem “burguês” por sinal. Não percebem é o ridículo atroz em que caíram. Para o estado a que isto chegou há, todavia, uma responsabilidade importante das ditas forças de direita. Os direitos dos membros de uma união de homossexual – sucessórios, assistência, habitação, alimentos, parentais, etc.…- deveriam ter sido acautelados por via de lei há muito tempo.
1) De acordo, em geral, com o post do VLX. Salientaria que a lei de divórcio de 2007 teve como alvo predilecto as mulheres, prejudicadas de forma inadmissível no divórcio, em função de perderem substancialmente em matéria de direitos patrimoniais. Com as consequências que isso tem, para muitas, de não terem condições financeiras para divorciar-se de maridos bêbados e que lhes batem.
2) Engane-se quem pense que a adopção vem já a seguir. Esta aprovação do diploma do PS terá uma de duas consequências:
a) ou o Tribunal Constitucional declara a inconstitucionalidade da norma que proíbe a adopção e, nesse caso, o PS fica com um dilema: aprovar o casamento com a adopção, sendo que, nesse caso, votará maciçamente contra o sentido de voto que adoptou hoje; não aprovar o casamento, porque o TC o obriga a aceitar a adopção e o PS já disse que não aceitaria esta última (caso em que a "vitória de hoje" seria, no mínimo, tragicómica).
b) ou o TC não levanta problemas, caso em que a adopção só é discutida daqui a uns anos (possivelmente, na legislatura seguinte). Nessa altura, poderá a direita estar no governo, caso em que a adopção nunca irá para a frente. Mesmo que o PS continue no governo não é certo que consiga aprová-la, tendo em consideração o facto de a maioria sociológica ser ainda mais frontalmente contra a medida. Ou seja, a brevidade da adopção é um mito: acredita quem quiser, mas é, no mínimo, duvidoso que haja condições políticas para que a mesma ocorra nos próximos 5 a 10 anos.
Se dúvidas houvessem do que se trata quando se fala hoje do casamento, estão agora dissipadas. Trata-se do assalto progressivo (progressista, aliás) da esquerda às instituições sociais, ao melhor estilo de Gramsci. Um grande post - de antologia.
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