Um casal de gente simples, uma vila beirã. Ele morre ao fim de três anos de luta contra o senhor das metástases. Ela, cinquentona, consegue voltar para a casa um par de semanas depois, consegue deitar-se no quarto que era de ambos. Tudo recordações, como cantava o Espadinha, e das terríveis, mas tudo normal. Excepto uma coisa. Nas últimas semanas de vida, o marido já estava muito fraco e ela andava em cuidados de leoa. Quando o homem ia ao wc, de noite, ela vigiava-o através do espelho pendurado na parede do quarto. Pouco tempo depois da morte do marido, mandou arrancar o espelho. O que lhe recordava o homem, ela suportava. O espelho não. O espelho era a memória da doença e da decadência dele, tudo o resto na casa era a memória da vida dele. O espelho era a Morte.
Quando venho do consultório com histórias destas, passo um quarto de hora à pancada com a minha boxer. Depois tomo banho, bebo uma cerveja gelada e o mundo recomeça. Obrigado por darem atenção a estas pessoas.
Ainda que tristes, sao histórias como esta que revelam a nossa (de quem as viveu) humanidade. E ler algo como "quando o homem ia ao wc, de noite, ela vigiava-o através do espelho pendurado na parede do quarto" é verdadeiramente comovente - demasiado, até.
Por vezes prefiro a troca de papéis. O espelho é sempre muito difícil. É muito real e actual. A troca de papéis é quando um homem quiser. Obrigado Prof.
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