À medida que as informações se vão acumulando em cima da mesa, a pessoa começa a interessar-me. Como navegamos quase sempre pela autonomia e amor-próprio, ir aos progenitores é um bom princípio. Conheço poucos bichos mais perigosos do que uma mulher que me diz
o meu pai nunca me ligou nenhuma. Às vez acrescentam
bruto, autoritário, seco, frio. Parece uma descrição daqueles desaparecidos tintos da Bairrada, que em novos, digam o que disserem os revisonistas, eram intragáveis ( um
Solar das Francesas, por exemplo). Quando ouço esses lamentos, tenho em mente duas coisas:
Balint e um
contraponto.Balint fartou-se de escrever, mas só o guardo por uma ferramenta, o último livro que publicou antes de morrer :
O Defeito Fundamental ( ignoro se existe edição portuguesa). Para não vos cansar: há coisas que nos faltam na infância e que podem deixar um buraco negro. Se crescermos convencidos que nos faltaram com objectos essenciais, essa perda derrama todas as estruturas adjacentes. Por exemplo, um chiste psi clássico:
mulher mal amada pelo pai não terá sorte ao amor.
Balint sabe do que fala, pois ele próprio teve problemas com o pai e mudou de nome e até de religião ( isto daria para outro rolo).
Quando a sessão serpenteia por estas memórias, e a mulher vai seroando no defeito fundamental, aposto então no
contraponto:
conte-me um episódio agradável, antigo , com o seu pai. Este movimento tem por finalidade romper a coesão doutrinária, instaurar a dúvida, permitir a imperfeição . Com mais ou menos resistência, lá aparece um. E assim ficamos, eu e a
defeituosa, náufragos agarrados a um pedaço de madeira flutuante. É pouco? Não:
é tudo.