Na Pública , de ontem, vem uma peça sobre a eutanásia a pretexto do caso de um inglês. O tom do texto é sempre o mesmo: "batalhas morais", "matou porque não é egoísta", as autoridades "não têm compaixão", etc. Ou seja, os bons sentimentos, os nobres sentimentos, estão todos de um lado. Aí mais abaixo cito um texto ( Teoria Geral dos Cabrestos) que compara a tourada à mutilação genital feminina. No caso do tabaco, todos se recordam que a intenção era "proteger os não fumadores"; deve ser por isso Churchill e Pessoa vêem agora as suas fotografias retocadas. Na peça da Pública, um psicólogo diz que "se não fossem os sentimentos religiosos a maioria aceitaria a eutanásia". A jornalista questiona isto? Claro que não. O terreno é agora o da religião da política, da transformação das mentalidades conduzida pelos novos guardas vermelhos. Ou seja, e recordando I. Berlin, se fôssemos algo diferente do somos também concordaríamos com o que os outros entendem ser o melhor para nós. Eu, que não fui ainda abençoado pela fé ( talvez um dia ), devo ser um zombie: só poderia ter dúvidas sobre a eutanásia se fosse religioso. Serei uma espécie de Peng, de quem Qi Benyiu disse ser uma serpente venenosa inerte, mas ainda viva.
Certeiro. Só discordo de um ponto: na ilustração destes novos guardas do pensamento com o texto do Manuel António Pina (já o pensamento subjacente ao "link" para onde FNV remete talvez se enquadre nestas novas certezas morais). com efeito, Manuel António Pina é, na minha perspectiva, um dos melhores cronistas nacionais e que melhor denúncia os guardiães do pensamento politicamente correcto. No texto em causa poderá ter procedido a um exercício de estilo infeliz na referência à mutilação feminina, mas sem me parecer subjacente qualquer verdadeiro paralelismo (em termos éticos e nem sequer como "manifestação cultural" que ambas são). Se bem percebi Pina apenas sublinha a boçalidade de uma opção de integração relativista na política cultural do Estado de qualquer «manifestação cultural».
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