Pedro Passos Coelho pediu desculpa por ter dado o seu aval a políticas fiscais severas. Não é tão mal pensado como li por aí, isto no plano estritamente psicossocial ( deixo a análise política pura para quem sabe) das teorias da atribuição. PPC está no papel clássico do agente inovador e , presumivelmente, minoritário. Seja no modelo de Hollander seja no de Moscovici, é conveniente exibir consistência temporal nas propostas apresentadas. Se assim não for, as pessoas não conseguem atribuir-lhe qualidades, intenções, valores, Dito de forma breve, não conseguem construir uma representação fiável. Neste caso, PPC não tinha alternativa. Não podia impedir a resposta exigida pela UE sob pena de aparecer como um obstáculo a qualquer espécie de solução, e isso é letal para o agente inovador. Também não podia aparecer como um entusiasta da solução, pois nesse caso a sua casa de partida ( inovação, "change") congelaria . A opção foi inteligente. Sacrifico o que penso ( diminuição do peso do Estado) em nome dasalvação nacional e quem paga a factura é o PS. Na melhor das hipóteses atribuem-lhe sentido de Estado, na pior atribuem-lhe instinto de sobrevivência. Nada mau.
Não me parece que a opinião pública e até a opinião publicada façam uma análise tão sofisticada da actuação política de PPC. Parece-me antes que se tratou de um erro político crasso. Como escrevi no blasfémias:
Considero extremamente duvidoso que MFL tomasse a mesma posição que Passos Coelho relativamente ao PEC. Aliás, tudo indica que tomaria posição diferente, na medida em que Passos Coelho assumiu a paternidade deste PEC, ao passo que a liderança de Ferreira Leite se limitou a viabilizar por meio de uma abstenção o antigo PEC. Em termos políticos, isto faz toda – mas toda – a diferença: no caso de Passos Coelho, ele está inevitavelmente comprometido com as políticas orçamentais deste governo até ao fim da legislatura, enquanto que a abstenção de Ferreira Leite lhe permitia – e permitiu – uma grande independência relativamente às medidas do PEC anterior, precisamente porque ele não foi negociado, tendo sido apenas viabilizado em nome da prevenção de uma crise política. A diferença traduz-se no seguinte: Ferreira Leite manteve a sua independência quanto aos aspectos negativos do anterior PEC e essa independência foi-lhe reconhecida pela generalidade dos opinion-makers. Passos Coelho, ao chamar a si a paternidade deste PEC está irremediavelmente comprometido e ninguém lhe reconhecerá qualquer legitimidade para, de ora em diante, tecer quaisquer críticas ao governo em matéria orçamental. Também conta o comportamento passado: Ferreira Leite foi muito crítica dos grandes investimentos públicos e do endividamento, ao passo que Passos Coelho tem sido conivente, com o seu silêncio, com essas e outras políticas deste governo: por isso, o que a opinião pública permitia à Ferreira Leite (a independência e, ao fim ao cabo, a legitimidade para conduzir uma oposição ao governo), não admitirá agora a Passos Coelho. Do que decorre estarmos em pior situação do que antes das eleições internas do PSD: ao menos nessa altura, havia oposição. Podia ser impopular e derrotada nas urnas, mas existia e cumpria uma missão, tanto mais importante, quanto este governo é intoleravelmente medíocre e desonesto. Com este acto político, Passos Coelho deixou de poder fazer oposição. Vai criticar o quê se este governo não existe para além do PEC? É que se, para além do PEC, o governo não governa, também não há oposição para além do PEC (cuja paternidade – repita-se – Passos Coelho assumiu).
Bem,JB, costumam apelidar-me de ferreira-leitista fanático ( o CAA, lá no seu Blasfémias), pelo que concordo com muito do que disse. Não é MFL( que deu o seu aval ao OE) que está em causa nem o lado moral da coisa. O meu ângulo é técnico: como construir um set de atribuições e como fazê-lo numa situação apertada?
Tem razão, FNV, partimos de perspectivas diferentes. A sua preocupação é analítica, a minha é mais política.
Mas parece-me que estamos a tentar responder à mesma questão: como é que esta posição de PPC será entendida pelos eleitores? Admito que o FNV tenha razão, que Passos Coelho seja, a partir de agora ou num tempo futuro, percepcionado como um "homem de Estado responsável". Tanto mais que o eleitorado português não gosta de oposição e oposicionistas, preferindo "consensos", independentemente do seu conteúdo e das suas consequências.
Mas também sei que Portas ganhou muitos votos com este bloco central agora formado e que muitos militantes do núcleo duro do PSD abandonaram o barco. A questão é saber se Passos Coelho recupera no centrão os votos que perde no núcleo do partido. Tenho dúvidas que aqueles que votaram Ferreira Leite mantenham o voto no PSD de Passos Coelho, especialmente porque este, já se viu, não quer fazer oposição.
O que Passos Coelho conseguiu, com o acordo de austeridade anunciado pelo governo, foi demonstrar aos portugueses que para a grave situação económica e social em que o país vive, o PSD não tem qualquer alternativa diferente da do PS. Não se limitou a apoiar Sócrates, partilhou mesmo das suas propostas.
Para ultrapassar a crise em que vivemos, o PSD veio dar a conhecer aos cidadãos que comunga das mesmas soluções do PS e que com ele é solidário.
O PSD prefere assim a solidariedade do PS à solidariedade do país.
Nas anteriores alternâncias de governo entre o PS e o PSD, existiu sempre a ilusão, alimentada pelo partido que se encontrava na oposição, que ele constituía uma "alternativa" à política do governo em funções. Ora, desastradamente, o PSD veio agora desbaratar a oportunidade de se apresentar perante os portugueses como alternativa e com soluções diferentes. Será difícil encontrar uma actuação tão desastrada, e em tão curto espaço de tempo, em toda a vida do PSD.
Não discuto os méritos políticos nem a moralidade da coisa, nem sei por que motivo haveria PPC "de preferir a solidariedade do PS à do país". No plano das atribuições há outra coisa que funcionou bem nesta opção, mas deixo para amanhã.
Muito interesante, FNV. Espero que prossiga estas considerações. Uma breve pergunta, se puder atender (na sequela, que anuncia): estes modelos foram construídos atendendo a situações políticas, ou dirigem-se genericamente a interacções sociais de qualquer ordem? (desculpe a imprecisão que esta pergunta deve ter). Obrigado.
Só um outro aspecto: naturalmente que não li os autores que o FNV cita, pelo que não sei exactamente o que pretende com o conceito de "agente inovador" (espero tradução :)), mas há dois aspectos em que PPC foi muito velho:
1) Começou o seu consulado por violar flagrantemente uma promessa eleitoral que supostamente o distinguiria da sua antecessora a quem ele tinha duramente criticado. Neste caso, mais grave do que a promessa e a sua violação é a traição afinal da ideia de alternativa que está em causa, porquanto este PEC só existe em matéria de receitas, sendo uma criatura puramente fictícia em matéria de despesa.
2) Omitiu em cinco semanas (é curto para uma avaliação, é certo) qualquer crítica substancial ao governo num momento particularmente propício para uma oposição acutilante, o que significa que Passos Coelho utiliza a táctica de esperar que o poder lhe caia nos braços. No fundo, a táctica barrosista de esperar pelo pântano.
Os modelso de Hollander e Moscovici foram construídos a partir de e para situações políticas: ligam-se às teorias sobre a inovação, o poder das minorias, etc. Os modelos de atribuição ( Kelley, Jones e Davis, etc) foram pensados sobre situações quotidianas. É por isso que é interessante cruzar ambos os tipos.
Da mesma forma que abominei a re-eleicåo do Söcas, nåo gostaria de ver PPC como primeiro ministro desta choldra. No entanto alguëm me ensinou por estas andancas que desejar e esperar sempre o melhor dos dois mundos ë de uma ambicåo inqualificåvel e muito pouco exequïvel. Neste primeirito round dou a PPC 1-0. Que eu agora que estou off duty atë tenho tempo (nåo falo de capacidade) de fazer umas anålises de bolso polïticas.
entretanto, pede-nos desculpa da canga que nos puseram ao pescoço para os próximos anos. por mim podem ambos, ppc e sócrates, atirar-se ao poço. não vai ser pelos meus alcatruzes que virão para cima.
Caro Filipe, a sua análise está correctíssima. De facto, Passos Coelho optou pelo caminho da eficácia política em detrimento dos princípios. Vindo de onde vem, não é surpreendente.
Em Espanha, Rajoy optou por outra coisa: http://www.youtube.com/watch?v=1cUcZubkTKA&feature=player_embedded
Ao FNV, "nem sei por que motivo haveria PPC "de preferir a solidariedade do PS à do país".
Por isto: Os responsáveis do PSD e do PS, praticamente os mesmos de há três décadas, souberam paulatinamente criar um mundo de privilégios para si e para as suas clientelas, que sugam os recursos nacionais e atrofiam a nossa economia. O mundo de órgãos do Estado que a nossa classe politica vem criando ao longo dos anos, sem qualquer fundamento de racionalidade ou eficácia de gestão, mas com o propósito objectivo de ocupar os cargos em tais órgãos, a que ela própria soube atribuir esplêndidas remunerações e que são naturalmente oferecidos por nomeação politica, com total desprezo pelo mérito e pela competência, a indiferença que manifesta pelo funcionamento da Justiça (que chegou a um estado de degradação insustentável), a indiferença ou até e ao contrário, um certo “proteccionismo” da corrupção politica e económica que alastra no País, são apenas alguns exemplos das reais motivações das nossas elites políticas. Naturalmente que ninguém poderá acreditar que os autores e beneficiários deste mundo de privilégios, sejam capazes, virando-se contra si próprios, de romper com o mundo paradisíaco em que têm vivido. Pelo contrário, esta Situação, um tal Sistema continuará o seu caminho até que o continuado e consequente agravamento da Despesa Pública e o não menos continuado e consequente aumento de impostos se torne insustentável. E os partidos da Situação, as elites políticas da Situação, continuarão quando fora do governo a fazer oposição ao “poder” mas parcerias às políticas.
Estou muito de acordo consigo, Ruy. Efectivamente os Dupond e Dupont convergem, amiúde, na alimentação das clientelas que os suportam.
Temos uma espécie de PRI mexicano com duas alas principais, aparentemente muito opostas, subdivididas em muitas alasinhas secundárias e terceárias, continentais ou atlânticas.
Deste labirinto subterrâneo e ultra-minado vai ser muito difícil de sair. O horizonte é negro.
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