Quem controla o passado, controla o futuro, não é? Joseph Roth é um dos maiores escritores que alguma vez li. Num dos seus livros viajo pela Berlim dos anos 20. Os textos, escritos entre 1921 e 1925, estão reunidos numa edição da Granta Books de 2003 - está lá um outro, desencontrado, de 1933, já sobre o nazismo - e são um manual de jornalismo literário. As viagens no S-Bahn, os domingos de manhã no barbeiro, recheados com conversas sobre o nacionalismo de Hamburgo, os passeios no Tiergarten. Roth pinta, nós vemos. A sua Berlim é uma cidade onde não suspeitamos completamente do futuro, excepto na descrição , e na previsão, que faz do destino dos judeus ( sobretudo noutro livro, que cá trarei) e dos sionistas. Defende os primeiros com uma coragem sombria e classifica os segundos como idiotas ( ele era judeu). Mais tarde, diante dos novos-velhos factos, rectifica. Lá voltaremos. O passado, a origem. O populismo: narodnik ( russo), poporanismul ( romeno), népies ( hungaro) volkisch ( alemão). Socialismo, comunismo, xenofobia, racismo; mais tarde, fascismo e nazismo. É a matéria. Em 1919, na Roménia ( Berend 2001) , Pancu funda o Movimento Cristão Socialista Nacional.Mais tarde, Codreanu e Zelensky combinam a receita : a democracia quebra a unidade do povo romeno e transforma milhões de judeus em cidadãos romenos. E enquanto Weimar se discutia, o populismo fascista romeno não tinha dúvidas: A democracia não tem autoridade - um partido destrói o outro. Codreanu entendia existir uma conspiração judaica , contra a Roménia ( estaria bem na blogosfera portuguesa ), que pretendia estabelecer uma Palestina desde o Báltico até à Checoslováquia.
O seu post é uma mistificação, Filipe. A comparação entre a Europa Central de hoje e Weimar dos anos 20 é um absurdo. Na Hungria existe de facto um partido de "extrema-direita", o Jobbik, mas é preciso entender que ele tem uma liderança formada por antigos comunistas ou por pessoas com ligações ao periodo comunista. Um jornal do Jobbik que tive o desprazer de consultar dizia que não houve comunismo, mas uma "ditadura judaica", um delírio que ninguém compra. Este partido surgiu para tentar impedir a maioria de dois terços da direita, fracassando no objectivo. Agora, serve para uma confusão emergente entre direita e extrema-direita. A ideia é de que no poder ficou uma força tenebrosa e anti-cigana e anti-judaica. O que é falso. Matam ciganos e a polícia não investiga, afirma esta fantasia. Não digo que não haja racismo e anti-semitismo. Existe, de facto, uma desproporção entre os ciganos na população e na população prisional; os ciganos são os mais pobres e são os primeiros a ficar no desemprego. Mas a situação desta minoria não mudou fundamentalmente nos últimos meses. O que mudou foi o país inteiro. Em Abril e Maio, acabou o período pós-comunista na Hungria, mas também na República Checa e na Eslováquia. A Europa Central tem agora governos de centro-direita que derrotaram os partidos pós-comunistas. E o que acontece com os intelectuais aqui do ocidente? em vez de tentarem perceber que algo mudou compram propaganda barata dos que, pelos vistos, não ficaram muito contentes. Fico por aqui no meu comentário, embora pudesse explicar outros elementos. Ficam para a discussão.
Peço imensa desculpa. Queria comentar o post mais abaixo e não este. Mas julguei que tinha perdido o comentário e repeti-o, obviamente no sítio errado. Sou um admirador de Joseph Roth: a Marcha de Radetzky é um dos grandes romances que já li.
Que precipitação, Luís. Disse ao que venho no post 1: uma longa procura de elementos comuns, porque os há; nenhuma colagem, apenas escavação, que só fará sentido com o desenrolar da série. E vai fazer, acredite. Ver para lá do que existe é uma obrigação, ainda que o ridículo seja um risco.
Então, sugiro que não se esqueça do populismo norte-americano, o mais violento da actualidade. Eu também acho que o mundo actual se define num conflito entre o anti-liberalismo e a liberdade, mas a Europa dos anos 20 e 30 estava entalada entre duas ideologias (o fascismo e o comunismo) que já não existem e que puxaram ambas no mesmo sentido, quase vencendo as democracias parlamentares liberais. Os perigos para estas chegam hoje de outras ideias, do poder financeiro, por exemplo, que nenhum eleitor controla, ou do politicamente correcto, ou do multiculturalismo, para não falar dos fanáticos religiosos de todas as religiões. Agora, digo e repito: a derrota do pós-comunismo nos países da Europa Central devia ser interpretada pelos intelectuais portugueses como pertencendo a outro filme e como um desenvolvimento favorável à liberdade.
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