Uma leitora envia-me uma carta de Toronto. Quer saber como será com os direitos das mulheres. Serão iguais aos dos homens, obviamente. Nem percebo a pergunta. Todos terão direito à família, ao amor, a educar os filhos, ao trabalho, a alimentos saudáveis ( cebolos sem antibióticos e enchidos sem nitratos), à água, à terra, à saúde. É muito, eu sei. A organização política que garantirá estes direitos é inovadora e reaccionária. Todos serão iguais, não porque tenham de ser iguais ( voltaríamos aos crimes do século passado), mas porque podem ser iguais. Este princípio é regido por um mecanismo de abdicação voluntária: se eu posso viver com quatro cabras, porque hei-de querer ter dez? Não hei-de, não posso. Serão o território e a pobreza a ordenar a estratificação. Já funcionou no passado, portanto, não é uma utopia. Não vos parece? "A ciência", diz-me um familiar, "tu queres aniquilar a ciência nessa organização social". A ciência ( e a sua antepassada, a técnica), como todo o produto da cultura, serve os homens. Ora, os meus homens querem coisas simples: remédios bons , previsão meteorológica precisa, cirurgias baratas, cartas marítimas e topográficas correctas, seguros de colheitas e por aí em diante. Satélites, carros eléctricos, 200 canais de TV, escadas rolantes - não terão utilidade nenhuma. A nossa ciência política viverá de uma refrescada fórmula negativa: vive com o que não tens, sonha com o que não precisas.
Os "teus portugueses" nao aprendem. Querem regressar 'a terra e aos valores ancestrais mas continuam a sonhar acima das posses. Medicina e cirurgia baratas, servico metereologico ... Com os rendimentos das batatas? Ta' bem, ta' bem ... ;)
Precisamente, o meu avô comprava o Borda d’Água e O Seringador com pouco mais do que o dinheiro das batatas e manteve assim também muitos anos um cata vento no telhado (onde andará o galito?) e um barómetro. E “medicina e cirurgia baratas” são…isso mesmo. Haverá concerteza um barbeiro na aldeia com habilitações para fazer sangrias, lancetações, arrancar dentes e colocar sanguessugas. Não há problema, porque o FNV pretende também enfraquecer e converter para a causa os micróbios, que se transformaram entretanto em cyborgs depois de tanta luta com o exército dos antibióticos. As cartas marítimas e as cartas topográficas, para atravessar o Atlântico e os Pirinéus a salto, serão talvez mais precisas do que nunca, prevejo eu. Mas faziam-se dantes sem recurso a satelite, e podem continuar a fazer-se assim, também acho.
Este "mecanismo de abdicação voluntária: se eu posso viver com quatro cabras, porque hei-de querer ter dez?" não ficou muito claro, para mim. Então e a "ganância"? É um pecado, logo, um aspecto constante em muitas culturas. Quais seriam os (seus) mecanismos para contrariá-lo? E o lazer? ficava circunscrito a verbenas, bailaricos e isso? E a parte espiritual? Haveria uma classe especializada nesse campo, digamos assim?
FNV, tens um trabalho árduo pela frente e não te dão tréguas. Todos os dias descobrem variantes novas que tornam a tua série interminável. Para além da reforma agraria, vais ter de tratar da reforma do espírito. Falavas em “abdicação voluntária”. Tens de reconhecer que em Portugal os movimentos heréticos de despojamento nunca tiveram grande expressão.
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