De pijama urinado, a meio da noite, em passitos de criança, especado à porta da casa de banho, o velho volta a ouvir a incrível felicidade das vozes dos filhos. Discutem por causa do comando da televisão, riem com nervo, a casa ri com eles. Regressa ao presente. Não sobra nada. O único ruído é o das suas pantufas a caminho do quarto carnívoro. O fim é um fim.
Este post é ainda mais violento do que aqueles que o precederam nesta rubrica. Acha bem aterrorizar assim os leitores mostrando-lhes o que, com sorte, muita sorte, será o fantasma dos seus (deles) natais futuros? Credo, FNV, a descrença no regime não justifica estas aleivosias. Agora (mais) a sério: está genial.
Vê. Pode-se casar e ter filhos e acabar-se sozinho a arrastar os chinelos. Sózinho pela casa não com o pijama urinado mas com mancha de urina no pijama e com os chinelos molhados das pinguinhas residuais. Sentir o silêncio da casa e ligar a televisão para preencher o silêncio. Pensar nos risos e nas vozes de quando se tinha companhia e porque se conheceu a companhia a solidão ser mais desolada.
Pode-se ter-se vivido sozinho e encontrar-se companhia quando se é velhinho e sentir essa companhia como uma coisa muito boa e ser-se muito feliz.
Pode-se viver acompanhado mas detestar cada pormenor da megera que nos acompanha, ela ser tão asquerosa que nos lembra sempre a idade e aquilo que eramos e já não somos ao ponto de a odiar e nos ser insuportável até o cheiro, a presença e a voz.
Pode-se sempre com inteligência e sentido de humor, tirar partido da companhia e da solidão, de termos e de não termos, enfim até do fim.
Não me leve a mal, que lhe valorizo o quadro (chocante): quando o velho era novo e tinha as crianças em casa, não havia comandos de televisão e esta tinha só 2 canais.
É um facto, a decrepitude não tem idade. E se aqui fala do fim eu poderia expor um quadro igual no viço da juventude. A generosidade todavia(nas suas multiplas formas) funciona como um ácido que corrói a pintura que fez; aí não há vómito, urina ou afim que tire o brilho ao esplendor Humano.
p.s. fónix como estamos de lados diferentes custa-me deixar aqui só elogios, como hei-de amenizar a coisa? já sei, termino assim: com este post voçê excedeu-se :)
O comando aí é uma falha de adereço como o relógio no pulso do gladiador. É pormenor insignificante. Isso e o pijama urinado. Não é preciso ser velho nem incontinente para estar ali retratado. Quem tem filhos pequenos, sabe calcular que aos quarenta e poucos e cheio de saúde e dinheiro, se poderá sentir o mesmo quando eles decidirem sair de casa. Ou quando, simplesmente, se fecham no quarto. Quando deixam de rir. Não é o fim, claro, só o começo do fim. O teu texto tem um apelo visual muito forte, uma micro-metragem, gostei muito.
Está bem, não tinha percebido (acordaste rabugento com o tempo?;). Não importa nada. Mas ainda falando em pormenores técnicos, se é uma visão do futuro, podias ter visionado um futuro, mais plausível, em que as fraldas para continentes são coisa mais banal.
1- " (...) a caminho do quarto carnívoro." Hoje vou dormir na sala. 2- O Pedro lomba roubou este título para a sua crónica do "Público". E, sim, confessou como pessoa íntegra que é.
Filipe e Vasco: O meu comentário sobre o adereço (comando de televisão) foi apenas um pretexto para ultrapassar o essencial do post (e não para o ignorar). Embora o Filipe tivesse o objectivo contrário, precisei de desanuviar o ambiente (pelo menos, para mim próprio).
"Eu nunca me engano e raramente tenho dúvidas". Comando não foi engano eu é que sou visionário. Querem que faça um desenho? Vou ajudar... Ah, já vos disse que vou votar Cavaco e Silva.
Agora a sério. Tenha um bom fim de semana. Só os estúpidos é que são sempre felizes, os outros têm intermitências mas o Filipe não se torture, não vá buscar o pior do pior vá buscar o melhor do pior.
E no seu caso se o pijama tivesse molhado...Sobra ainda isso. E o Benfica, e aquele jantar que cozinhou acompanhado do tal vinho, e uma cerveja com um amigo, e escolher a leitura para os filhos, e ensinar à sua filha um poema, e uma conversa (e não só) com a sua mulher, e o blog, e qdo lhe elogiam os livros, e qdo mostra cultura, humor (loucura e cabelo despenteado)numa conferência...
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