Uma cultura que se organiza para fugir à rotina acaba nos braços dos antidepressivos e ansiolíticos. A rotina é arma certa para desafiar o mandamento estóico ( o passado é tudo o que temos de seguro ). Não somos escravos da rotina, somos é torturados pelos sonhos.
O meu terreno não é o das andanças psi... no entanto tenho para mim que nada é mais demonstrativo de nós mesmos do que aquilo que desejamos.
Quero dizer, à pergunta: "O que é que ambiciono" a resposta pode ser "ser honesto" ou então "um Porsche". A resposta a esta pergunta é muitíssimo elucidativa.
Outra coisa que para mim é clara é que o sonho (aquilo que ambicionamos) tem de ser uma construção racional; tenho pouca fé nos sonhos loucos e selvagens simplesmente porque me parecem fruto de erros induzidos pelo ângulo de visão.
Um miúdo que queira mudar o mundo parece-me bem (até desejável) mas o mesmo num adulto já me parece imaturidade.
Teixeira de Pascoaes tomou-se de amores por uma rapariga inglesa e foi atrás dela num navio apesar de nunca lhe ter falado. Em Liverpool, quando falou com ela, arrependeu-se.
O que eu gosto é que ele tenha ido atrás dela; o assombro inicial é apenas banal.
Caramba, devo ser uma atracção de feira: nunca tomei ansioliticos e antidepressivos, precisamente porque me farto de sonhar, acordado e a dormir. Mas não percebi em que acepção usas “cultura”, FNV. Mete adufes, banda desenhada e arroz de cabidela? Nunca sei. Anyway, em tudo o que é coisas de cultura sou rotineiro: como a horas certas, seja saladas, seja gafanhotos fritos, e começo a ler sempre mais ou menos às 23.30 em ponto, mesmo que seja o manifesto do partido comunista.
Então, Gustavo, uma pobre alma desonesta não pode ambicionar ser honesto e ter um carro bom, tudo ao mesmo tempo? Ora essa!... eu não sou exemplo, como já se viu: quando sonho ter um porcshe nunca me imagino a pagar ao vendedor o preço certo.
Henedina: sempre que um homem sonha, o mundo pula e avança como bola colorida entre as mãos de uma criança, mas cumprindo a tabela horária das partidas e chegadas.
Ah, já percebi. Perdoa este pobre exegeta. O consumismo do mundo ocidental, a Grande Besta. Mas a única coisa que deprime é querermos consumir e não podermos, porque não temos dinheiro. Quem tem dinheiro suficiente para sair da rotina, tipo ir fazer uma viagem de balão, não tem depressões. Não é fácil ficar deprimido a ver o mundo a trezentos metros de altura. Ou ir comer ostras à Galiza. A mim, deprimem-me mais certas rotinas, como começar a ouvir música de Natal todos os anos por esta altura. Neutralizo com o sonho. Mas só deve resultar comigo.
Mexilhoes comem-se em Bruxelas na Galiza comem-se pimentos-padrão. Eu depois a noite leio o blog e os 22 comentarios agora lá tenho que trabalhar e sonho só para ideias de investigação.
Gustavo essa é a diferença entre um homem e uma mulher (há outras, anatomicas por ex :), mas esta é fundamental. Teixeira de Pascoais viu e foi atrás; mulher nenhuma ia atrás porque via. Podia "sonhar" e estragar a vida porque falou e encantou-se, escreveu e achou-o inteligente, disseram-lhe bem dele e o olhar era meigo e encantou-a, viu-o a fazer algo que admirou. Mas viu (e era extraordinariamente bonito) e foi atrás isso é de homem. Eu preferi-os bonitos, nem bonitos prefiro-os interessantes (com sentido de humor, inteligentes e cultos), e com aspecto asqueroso realmente podem impedir o primeiro passo (e talvez o segundo) mas serem quadradinhos sem chama e sem imaginação, de todo. Sei que não é o seu caso, o escrevi foi uma "figura de estilo". A sua resposta é que foi a homem, continente 1 - conteúdo 0. E, importa qual o sonho e não só sonhar. E um homem tem 40 fantasticas ideias, mas como eu sou médica digo-lhe que 39 em certas idades tem tema repetido. ;)
A rotina é o que dá segurança a uma criança. As crianças sonham muito e acreditam piamente no que sonham, para se sentirem seguras e felizes têm de saber que o pai as vais buscar que a mãe estará lá para ler a história, que não desaparecem de repente. Que as refeições são as horas e que o quarto é deles e é para dormir. São quase neuroticos nas sequencias de conforto. Qto mais sonha o homem mais precisa para sonhar de ter algumas rotinas certas. Quem não percebe isto toma ansiolíticos. As vezes Filipe, venho cá só para conversar :). As vezes, venho mesmo para comentar os seus postes, que tb merece que faça isso ;).
Toda a gente precisa de rotinas (e de sossego), uns mais do que outros, as crianças mais do que os adultos. Há rotinas obsessivas, como lavar as mãos duzentas vezes ao dia, há rotinas a mais, como as crianças que todos os dias saltam do ballet para a flauta e daí para a natação e daí para o inglês ou para a catequese, há rotinas voluntárias, há rotinas forçadas, rotinas tranquilas, rotinas ansiosas, rotinas tristes, rotinas felizes, etc, Talvez haja mais ansíolíticos e anti-depressivos à conta das rotinas do que à conta dos sonhos, mas os senhores doutores saberão disso melhor do que eu. Eu, que gosto de sonhar, não tenho nada contra a rotina. Pelo contrário, vivo até bem com sonhos rotineiros, como as minhas viagens de comboio quase todas as noites. Ontem fui até à Guarda, que era uma cidade com arranha céus. Isto tem alguma lógica? É uma rotina do absurdo E tenho a rotina de adormecer a imaginar que sou uma espécie de super-homem com poderes mágicos e podre de rico, que, quando a minha família está a dormir, vou invisível combater os criminosos de formas muito criativas. E ainda hoje acredito que se adormecer a desejar certas coisas, acordo com o que desejei. Não me perguntem porque é que isto acontece, mas é estranhamente maravilhoso. Bem, neste momento, estou ainda perfeitamente ciente de que se quiser levar o meu filho à Disneylândia para ao ano, tenho de ir ganhar o dinheiro de uma maneira razoável.
"E ainda hoje acredito que se adormecer a desejar certas coisas, acordo com o que desejei." Não acredita nada Caramelo diz isto porque sabe que achariamos lindo. E porque não acredita: porque o Eng. Sócrates está vivo. E acerca da Disneylandia é EUA/consumismo/publicidade enganosa e é isso que quer mostrar ao seu filho, mostre-lhe Paris. E o que escreveu não são rotinas de conforto são 100 metros barreiras que fazem das crianças uns stressados e dos pais motoristas.
henedina, nunca disse aqui nada de mim que não fosse verdade. E das rotinas que descrevi, umas são de conforto, claro, outras não. Rotinas há muitas. Assim como sonhos há muitos, de conforto e de pesadelo. FNV, claro, isso será antes um comportamento obsessivo compulsivo, incontrolável, não terá sido essa a rotina em que pensavas no post. Excluis todas as más que referi e ficas só com a rotina do conforto? Muito bem, essa é muito boa, concordo perfeitamente. henedina, ainda é muito pequenino para apreciar Paris. Fica-se agora pelo Pateta e o Mickey, e mais tarde mostro-lhe as gárgulas de Notre Dame. Pronto, talvez dê lá um salto, que o miúdo gostou dos desenhos animados do corcunda de notre dame.
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