Cruzei-me no outro dia com o suicídio de uma mulher que deixou filhos ( um pequeno) . Este deixou , comum nas conversas ou nas notícias, é o osso. Recusando, como os antigos, em absoluto o cartaz da cobardia , fica em alguns casos uma admiração - ver o maravilhoso, literalmente.
Uma anti-Medeia que escolhe não criar nem proteger as partes que dela se separaram. Um enorme respeito pelo seu último instante antes de a largarmos no deserto.
Conheci um homem a quem a mãe tinha "deixado" no princípio da adolescência. Aos quarenta e muitos anos ainda perguntava porquê. Suponho que esse teu "respeito" ou "maravilhamento", em nada perturbando o cadáver, podia dar lugar a uma espécie de aceitação animal. A cultura não nos prepara para merdas assim.
Eu conheço quem teve uma Mãe "viva-morta", desde para aí os 12 anos. Viveu em oscilações de grande amplitude entre euforia e depressão reforçado pelos muitos solipsismos tão encorajados ou glorificados pelo "Zeitgeist".Há meia duzia de anos, chegado aos cinquenta, as depressões tornaram-se clinícas - e vai-se aguentando à custa de uma bateria de drogas (antidepressivos; os da idade,etc) e constantes idas ao médico por suspeitas de males exóticos. Desde essa altura que, na pratica, não trabalha. Os amigos foram maquilhando o "serviço" e teve a sorte de ter aquele "patrão" que não despede, e que lhe garante ainda uma reforma que o pode pôr à distância da miséria económica - mesmo assim, com a internet, consulta saldos bancários 3 a 4 vezes por dia. O outro tipo de miséria enfarda a mulher (mais um acrescento á sorte), que aceita a condição de operadora dos cuidados paliativos. A mãe viveu muitos anos e de forma exclusiva por outra causa, e quando essa causa se foi, ela definhou. Contaram-me depois que no funeral dela, foi tudo feito á pressa, a despachar. Não houve uma lágrima, e as expressões, não se sabia se eram tristes ou de enfado. E uma beata disse ao prior que ele não queria perder muito tempo, pois tinham bilhetes e hoteis (muito exclusivos, segundo a "Condé Nast Traveller") pagos para ir ao Nordeste Brasileiro de férias, reserva e pagamento já efectuado desde há muito tempo.
Penso que o suicídio é o (mau) momento e momentos todos podemos ter. Por vezes, parece-nos tão premente, não vemos solução, pensamos e bloqueamos, e tudo nos parece irremediavelmente doloroso e terrível, se nessa altura junto ao pensamento suicida tivermos a oportunidade, julgo que filhos, companheiro, pais, irmãos ajudam porque não os queremos deixar mas não são suficientes porque temos o desespero como pensamento e a dor como companhia sempre. O suicida está só, tão completamente só no mundo que uma palavra ou um gesto o pode salvar e a falta de uma palavra o pode matar. A auto-imagem está de tal forma degradada que essa mãe pode pensar que o filho fica melhor sem ela porque o suicida acha que não presta. O que faço aqui, se ninguém sentirá a minha falta e estarão até melhor sem mim. É preciso coragem para o suicídio mas é uma fuga para a frente. Viver é ficar apesar de. Acho que custa menos morrer.
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