Qualquer dia há laparotos que entraram para o PSD pela mão de Sá Carneiro depois de ele ter morrido. São vidas. Este homem fez parte do meu quotidiano porque era execrado em minha casa. Por coincidência, ainda miúdo, cruzei-me com ele em duas ocasiões: no Reids, na Madeira, e no Balaia, no Algarve. Da televisão, recordo um olhar exuberante e generoso esmagado por uma voz ( mais o tom) sibilina. A edição de Miguel Pinheiro não acrescenta muito, no plano político, à de Maria João Avillez. Um ponto, contudo, está bem desenvolvido : a longa ausência em plena pré-campanha para Constituinte. O que não diriam muitos dos perfurantes analistas políticos de hoje, de um líder deprimido, ausente entre Londres e o sul de Espanha, em plena bagarre eleitoral. No plano psicológico, o livro de Miguel Pinheiro é muito bom. Fica claro que Sá Carneiro era um déspota e dos puros. A tal ausência, a depressão, deveu-se ao desencanto. As coisas não correram como ele queria e amuou. O estilo conflituoso, que tanta falta faz, também bebe na mesma fonte e prova que líderes de alcatifa apenas conduzem os povos ao chão onde se prega a dita. Um factor, pessoal , novo para mim : que grande e corajosa mulher foi Isabel Sá Carneiro.
Isabel Sá Carneiro deu 5 filhos a um homem. Aturou-o: pelo feitio e exposição públicas não devia ser fácil no trato diário. Qdo ele caminhava para PM realizando o seu sonho de mudar Portugal... ao lado dele estava outra mulher. Foi "grande e corajosa" mas provavelmente preferiria ser apenas feliz. Sá Carneiro:"viveu (e vive) muito mais na imaginação do que na realidade". É uma maneira perigosa de viver. Como eu vivo mais na imaginação do que na realidade não posso deixar de compreender e saber que este é um grande defeito mas as vezes se transforma na "nossa" maior qualidade. Já Damásio diz o construimos no cerebro faz que mais facilmente aconteça na realidade. São os sonhadores que são inovadores (não é o meu caso eu só sonho :).
"Portugal dos pequeninos" através da Origem das Espécies: «Havia um lado importante - as coisas eram mais transparentes, ele não dissimulava. A arte da dissimulação é uma arte católica portuguesa. Os grandes talentos políticos portugueses são dissimulados e Sá Carneiro não era dissimulado», concluindo que «os tempos difíceis fazem os grandes líderes.» Agora temos tempos difíceis e nenhum grande líder. Se calhar não merecemos melhor. Entre aspas palavras de Medeiros Ferreira.
Entre aspas palavras de Medeiros Ferreira ...no livro que está a discutir. (E não vou escrever que a nota pessoal foi sua, não vou escrever :). Reparo delicado e necessário, Filipe. Claro que penso isto 20 minutos depois, nos 10 primeiros pensei: "o que este "tipo" quer?"
Ze: uma vez mais, limito-me ao livro e a crítica é livre ( Sá Carneiro não diria melhor). O que penso guardo para mim. E era tão ímpar que, como diz o CC, os que o lembram chorosos estão agora sob a batuta de Eanes na comissão de honra de Cavaco.
"Uma blogger amiga fez-me um reparo que me obriga a recordar isto". Reparo delicado e necessário, o seu. Podia ter posto apenas: "o post é sobre o livro, sobre o que está no livro." (o que me provocaria, grrh) Encerrado o assunto. A precisar de trabalhar em casa, contrariada, e a não o conseguir, fico peguilhenta.
No Porto, o lançamento do livro ocorreu na Bonjóia, e foi apresentado por Rui Rio. Isabel Sá Carneiro estava na audiência, bem como um dos filho de Sá Caneiro, e fez-me confusão que ninguém haja referido, uma única vez, o nome de Snu Abecassis. O momento alto foi quando o General Pires Veloso, após Rui Rio ter elogiado Ramalho Eanes, se levantou e disse que Eanes não era uma pessoa de bem, e que era uma vergonha a sua presença na comissão de honra de Cavaco Silva - e eu até simpatizo com Ramalho Eanes.
Acho que as pessoas têm dificuldade em ver as pessoas como elas são, e apreciá-las ou não por isso mesmo - têm sempre necessidade de as santificar ou demonizar. O seu comentário, no que a Sá Carneiro se refere, parece-me justo. E mesmo vendo-o assim e sendo eu de esquerda, aprecio-o pelo que ele foi: uma força da natureza.
1- Ímpar, sim. Não pelo que afirma acerca de actos de terceiras pessoas, actos que apenas caracterizam tais pessoas, mas por isto bem observado por Rui Ramos: “As razões pelas quais a classe política não estimava Sá Carneiro – o seu desassossego, irreverência e frontalidade – eram as mesmas que faziam dele, a crer numa sondagem de opinião de 1979, o político mais popular depois de Eanes. Era um “agitador”. Nestes anos, a sua agitação não era só política, mas também pessoal. Separara-se da mulher, que ficou no Porto, para passar a viver em Lisboa com a editora Snu Abecassis. Afastou-se então do seu meio de origem e da prática católica. Os seus inimigos depressa fizeram desse problema familiar uma questão política. Isso terá reforçado a sua sensação de proscrito. Mas pô-lo em sintonia com uma sociedade que já também explorava o individualismo como via para a “felicidade” pessoal.” 2 – Fez mais do que uma “revolução” e permitiu que o centro-direita conhecesse o poder pela via dos votos.
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