O que aí vem é o mais próximo do que alguma vez estivemos , desde que há telefone, de uma guerra em termos do impacto que terá na sociedade portuguesa: mudanças reais e drásticas na vida quotidiana, tensão social extrema, queda de alguns mitos, questionamento de certezas tidas por imortais. Políticos de plástico têm utilizado a expressão de Churchill " sangue , suor e lágrimas". É difícil compreender que se peça sacrifícios às pessoas se esses sacrifícios não forem distribuídos. E as palavras não podem, em alturas destas, ser tão estupidamente vãs. Essa parte do discurso, proferido em 13 de Maio de 1940, na Câmara dos Comuns, até foi "nada tenho para oferecer senão sangue, trabalho árduo, lagrimas e suor". "Trabalho árduo" ( toil) não estava no discurso por acaso. Se mobilizamos as pessoas para uma batalha difícil, se as pessoas vão sentir enormes dificuldades para pagar contas que há dois ou três anos pagavam despreocupadamente, se outras vão literalmente passar fome, o lado simbólico, que tanto elogiam em Churchill, tem de ser respeitado. Pagar ordenados principescos a funcionários políticos para dirigir uma exposição de cultura ou ver grandes accionistas receber a totalidade dos dividendos como se não se passasse nada, se simboliza alguma coisa é a hipocrisia política. A conversa da partilha dos sacrifícios será, temo bem, um grande embuste. Ao mesmo tempo que os salários serão cortados e as instituições de solidariedade social verão os seus recursos extintos, teremos notícias como "venda de Ferraris aumenta 20%". Tudo perfeitamente legal, estou certo, mas então não nos mintam.
Quem acredita que, os mesmos que chegaram ao poder através das turtoosas veredas da ascenção partidária, sejam agora capazes de embarcar numa jornada de política a sério? Cortar nas benesses estatais? Seria como um gigante com pés de barro desatar a martelar nos próprios pés. Isso não vai acontecer: esta geração de políticos, gerada no clientelismo, não vai ser capaz,não sabe como. Chegou a hora dos meninos sairem de cena...
A mim desagrada-me que as coisas sejam postas em termos de decência pessoal dos políticos. O meu país será avançado quando o sistema que o constitui for disuasor da falta de decência. O mérito tem de ser do sistema e não das pessoas senão andamos à mercê da sorte, a rezar que nos saia un Hernanî Lopes em vez de um Sócrates.
Filipe O teu post mistura várias coisas. Qual é a decência de um Estado que altera as tributação com efeitos retroactivos? Já nos conformamos com um estado que aprova normas de incidência fiscal com efeitos retroactivos e nos já revoltamos com uma empresa privada (a PT é outra história), que antecipa a distribuição dos lucros que gerou antes da entrada em vigor da nova norma para tentar não ficar sujeita aos efeitos retroactivos da norma.
Julgo que o meu ponto é explícito: não discuto a legalidade da coisa. Se a minha premissa estiver correcta - viveremos uma situação excepcional - , a parte simbólica é crucial. Não são os 300 milhões qu em epreocupam. Tenho aprendido aí no teu excelente Cachimbo que pagaremos( ou deveremos mais milhares de milhões em 2011. E o que explicas aos que contratualizarm um salário e vão receber outro? Não estamos numa época decente, isso é verdade.
Caro Filipe, A questão simbólica é sempre crucial não apenas em situações excepionais. No tempo das vacas gordas todos ( ou quase ) se esquecem disso e o curioso é ver que muitas das "indecências" que hoje todos escrutinamos foram aprovadas há muito tempo. Mas de barriga cheia todos são cegos. Bom fim de semana
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