Ainda está frio e frio rima com forno. As panelas de barro e as grandes travessas dispensam empratamentos laricas com desenhos de reduções de sub-vinagre balsâmico.São compostos que trazem a cozinha para a mesa. Não por acaso, nos grandes tempos, a travessa ou a panela chegavam à sala com a cozinheira agarrada como uma rémora. A bem da verdade, quem chegava primeiro eram os aromas, que se escapavam da cozinha e anunciavam a boa nova. Há cortes baratos que permitem aquecer três coisas: o espírito, a cozinha e o estômago. Termostato a 100º durante seis horas. Parece caro mas a cozinha fica aquecida e o forno faz duas ou três refeições de uma vez. Uma panela de barro fundeada em azeite. Alho porro, alhos e 2 a 3 quilos de chambão de vaca. Meia garrafa de vinho tinto. Cheiros. Rosmaninho, alecrim e tomilho-limão, essa erva com que as divindades nos fazem pirraça. Uma volta de pimenta, colorau discreto, sal, meia de louro e um cochinho de água para desmaiar o vinho. O tempo passa e a panela resiste. O que as horas e os cuidados fazem às fibras nervosas do chambão é o mesmo que os anos fazem às paixões: excitam-nas.
o bacalhau é o mais fácil,agora o magusto,não tenho tempo de sair aqui dos aviões e ir ver de couve,pão de milho e trigo e feijão branco, que tudo condimentado com azeite,sal grosso,colorau(ah pois)alho picado e pimenta se vai transformando numas migas (ou açorda,como dizem os lisboetas...)que acompanham o dito bacalhau. Aliás o magusto era/é uma maneira tradicional de aproveitar as sobras de uma honesta sopa de feijão branco e couve,adicionando-lhe precisamente o pão. Também acompanha bem fataça frita,assim eu tivesse notinhas de 5€ por cada um que comi lá nas Caneiras ou no Patacão, para as bandas da minha Santarém.
Magusto para o resto do povo é mais castanhas,vinho,jeropiga etc. ok eu fico com o meu...
"é só tofu e algas e bífidos activos." Não gosto de colorau. Não gosto de tofu. Não uso bífidos activos na comida, são bífidos mortos pq não respeitam a rede de frio. Algas até comia pelos LC-PUFAS mas não costumo. Cozinho com sabores. Gosto do cheiro, do sabor e do carinho duma refeição cozinhada por amigos. Apenas não gosto de colorau. São gostos. "As mulheres já não sabem cozinhar". Ai que bom, então é o homem que cozinha aí todos os dias? No lo creo.
Já comi do seu magusto mas sou mais do resto do povo. As mãos a aquecerem com a castanha quente. Queimar as pontas dos dedos a abrir a castanha e beber vinho ou água-pé.
água-pé branca,do meu querido e saudoso amigo Manuel Rodrigues Duarte, o Déo, lá no seu Reguengo do Alviela,mais graduadita do que muito branquito que se bebe por aí. Finais de tarde de Novembro, umas codornizes a adornarem o cinto e uma ou outra narceja ou o milagre de uma galinhola levantada ali das marachas junto ao Alviela.Pão caseiro quente,chouriço e também havia castanhas.Cheirava a fumo,a terra,a rio(tinha "cheiro" sim !). E Santarém era uma muralha de sombra a tapar o poente. E eu talvez quisesse ter outra vez vinte anos, oh vida...
Caro FNV, Estas séries fazem-me lembrar o Jean-Luc Petitrenaud, nos seus bons tempos, em que invadia literalmente as cozinhas de anónimos desconhecidos, guiado pelo olfacto, na esperança de lhes descobrir os temperos, :-)
Estas conversas sobre culinária deixam-me sempre um bocado vexado, por me lembrarem a minha incapacidade na matéria. Fernando Antolin, parece-me que o país "extratejano" também diz açorda, como os lisboetas.
Também não gosto de colorau; deve ser uma coisa de mulheres que cozinham... ;) Mas gostei da lembrança do chambão, com aquela gelatina. E ficaria bem com carqueja (coisa da sua terra) senão na carne, pelomenos no arroz que acompanha.
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