As reacções, em geral, não primaram pela boa retórica, inteligência ou coragem. Ao contrário dos sargaços diários, o episódio é parte de uma trama mais complexa e navega em águas mais profundas. A consequência, repartida por PS e PSD, foi termos duas legislativas em pouco mais de ano e meio. A pergunta certa é : porquê?
Se o PSD queria apear o governo, apresentava uma moção de censura independentemente de estar em discusssão o Chico da CUF ou a CUF do Chico. Ou seja, se a condução governamental era péssima e se os PECS eram todos maus, tanto fazia este ou aquele momento, se um telefonema ou uma reunião de quatro horas, se o governo estava a negociar em Bruxelas ou em Toronto, se chovia ou fazia sol. Em política, essa decisão tem um nome - coragem - e um sobrenome - coerência. Aconteceu o contrário: justificações mal atamancadas e um medo pelágico do castigo eleitoral pela abertura de uma crise política.
Do lado do PS-Governo, o mesmo calculismo eleitoral. É evidente para qualquer mesencéfalo que mais vale eleições agora, perto das últimas, do que lá para o fim da legislatura. Agora pode queixar-se do coito interrompido, mais tarde seria o deserto ( a margem sul). Pouco importa se a casca de banana e a armadilha resultaram. Um governo é feito para governar , não para organizar safaris. Se entendiam estar no bom caminho, insistiam as vezes que fossem necessárias.
Também preocupante é o registo infantil e virulento da discussão. Assessores, agências, blogojornalistas agenciados ( um enxame...) e wannabes diversos vestem a camisola e dedicam-se ao arremesso de bolas de golfe. Se isto era irrelevante em tempos normais, agora é muito mau sinal. Quando as coisas aquecem a sério, dispensa-se a histeria: manter a cabeça fria, refrear a réplica indigente e conter as emoções são requisitos essenciais.
Resumindo: vamos ter uma campanha eleitoral para discutir quem provocou a campanha eleitoral. Uma democracia, portanto, inimiga da liberdade. Uma simples representação.
E agora regresso às minhas deambulações teóricas e à minha série.
Curiosamente, uma pessoa com uma mundividência política oposta à tua partilha dos pontos essenciais da "democracia inimiga da liberdade": http://www.publico.pt/Pol%C3%ADtica/otelo-acredita-que-pode-estar-na-hora-da-democracia-directa-com-que-sonhou-no-prec_1490173 Acho que isto acontece sempre que queremos dar um conteúdo (o *nosso*, evidentemente) à noção de democracia. De certa maneira, já é uma atitude anti-democrática.
Amigos leitores, Tenho escrito sobre uma ( one, una, une) democracia inimiga da liberdade. Em lado nenhum falo de democracia directa ou de outras patacoadas. Têm a série à vossa disposição para que possam fazer o julgamento que entenderem
Calma, pá, não há aqui anzol algum. Claro que não falaste de democracia directa. O que me parece é que a democracia directa está para o Otelo como um outro tipo de democracia (sem estes partidos, sem estes media, sem este aparelho de dominação cultural) está para ti. Um pouco à maneira do que o João Gonçalves comentou aqui no Mar Salgado aqui há uns anos (cito de memória): com estes políticos não sou um democrata. A partir daqui, uma de duas: ou é um discurso utópico, ou, como parece decorrer das múltiplas referências ao quotidiano concreto, é uma proposta política. Ora, o que me parece é que tanto o Otelo como tu querem significar que o actual modelo político não serve, porque é inimigo, respectivamente, das "conquistas de Abril" ou da liberdade. Reversamente, o modelo bom seria, não o que escolhemos e fomos construindo, pior ou melhor, desde 1976, mas um qualquer outro que vos aparece como tal. Pessoalmente, acho que é uma atitude anti-democrática. Mas eu estou à vontade, sempre defendi todas as garantias da democracia para os inimigos da democracia.
Precisamente o contrário. Como bom burguês, acredito na construção lenta. Tu o dizes, e muito bem, que fomos fazendo este: touche pas a la femme blanche? Vou aproveitando as tuas críticas que em têm ajudado bastante.
PS: estou muito longe do João Gonçalves em matéria de democracia.
adenda: E críticas ao aparelho de dominação cultural e aos media, por exemplo, não significa que "tem de sem ser estes". Significa que são sujeitos a crítica e sabes isso muito bem.
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