Um intervalo técnico antes de irmos ao sistema partidário, o terceiro obstáculo democrático à liberdade. Desdobremos. Antes de regressarmos ao papel da cultura marginal, umas notas sobre a qualidade democrática.
1) Qual a diferença entre um regime que não apresenta alternativas ( Fidel Castro disse sempre que um partido chega e sobra) e um regime que esconde informação necessária à escolha dos cidadãos? Suponham um condomínio em que os administradores não comunicam em reunião o real e calamitoso estado das contas. Suponham que esses administradores se candidatam a um novo mandato, prometendo uma piscina e um parque verde. Qual a diferença para um prédio em que o pai é dono de todos os apartamentos e os filhos comem e calam? Há uma: no primeiro, apesar da mentira ou da ocultação, existe a possibilidade de homens livres colocarem a causa a credibilidade dos administradores. No segundo, a credibilidade não conta para nada porque a liberdade não existe.
A democracia assenta na influência. Não tem a força da polícia política nem a robustez das religiões do Livro. E a influência depende, entre outros factores, da credibilidade do agente influenciador. Um dos poucos ramos científicos ( não de forma total, mas isso é outro osso) da psicologa - a psicologia social - tem demonstrado isso com frequencia.
Saindo do laboratório, a credibilidade política extrai-se de dois grãos: a recusa do espartilho do campo político ( a tese de Bourdieu, no qual o político está tramado se disser a verdade), e a disponibilização da informação necessária para o cidadão poder escolher. Sem estes sucos , o jogo está viciado.
2) Dizem que não temos hipótese . Que os partidos estão esclerosados e que a desmielinização impede a stasis plena, mas que não temos possibilidade fora deles. Quem disse? Por que motivo as revoluções têm de ser feitas sempre em nome de planos salvíficos e da recusa absoluta do passado? O 25 de Abril fez-se com votos? Na Cova da Moura havia tanta consistência política como numa gelatina. Pode ser necessária uma certa dose de violência? Talvez, mas não sabemos sequer em que grau.
O que sabemos é que um sistema democrático não é auto-evidente. Muitos factores podem concorrer para que uma democracia acabe por ser apenas um arquivo de representações. As distritais e um punhado de seccionistas, com a ajuda certa de ambiciosos avulsos, conseguem representar um debate interno( lembram-se do jovem aspirante a líder com as mulheres do partido numa discoteca?). Os media escolhem um ramalhete de atribuições que colam a três ou quatro slogans e ao sorriso determinado de um jovem candidato ( por exemplo, um veterano da alcatifa). Uma vez no poder, a máquina de propaganda debita a informação necessária , e apenas essa, à perpetuação das estruturas.
Um sistema democrático, se é correcto que tem de ser sustentado pela soberana vontade do povo, não está ao abrigo de mudanças. As que forem necessárias, por mais duras que sejam, serão sempre melhores do que as impostas pela revolta cega, que, temo bem, já esteve mais longe.
Caro FNV, excelente entrada. Depois de tanta actividade do VLX, estava a precisar de ler um post assim. Ha no entanto algo que tambem tem que ser esclarecido que e o conceito que cada um tem de democracia. Aqui onde estou, por exemplo, o lider diz que o regime em vigor e uma "democracia controlada". Em Portugal a democracia e invariavelmente reduzida a representacao parlamentar e as eleicoes o que, parece-me, provoca uma atrofia do regime. Quem esta no poder, faz usa e abusa desse conceito. E assim como uma especie de mini-despotismo enquato dura a legislatura.
Mudando de assunto, que os encarnados ganhem hoje, os nossos e os daqui (que e para que o VLX tenha tempo para respirar entre "posts")! :)
Dobrij djen, Red. Sim, mas parece-me que mesmo nas descontroladas não se pode colocar a coisa como uma vaca sagrada. O Vasco não respira, às vezes falta-lhe é a internet. abraço vermelho
filipe, bom post, como sempre. sei que não gostas mas vou ter de o rebaixar à condição de ligação no meu facebook. mas tu compreendes isso, não compreendes? ;-))))))
defendes transparência no jogo político e subscrevo. uma política de verdade, andou alguém a dizer há algum tempo, mas foi corrida pelos do seu partido. verifica-se agora que tinha razão [até na suspensão da democracia (o fmi o que é?), afirmação porque foi tão criticada]. gosto também do que dizes sobre a «influência» ou persusão assente na credibilidade e do risco associado à vida política como «arquivo de representações». dois males de que a vida política nacional tem vindo a padecer. uma nota à margem: o caro colega afirma com algum risco que a psicologia social é um dos poucos ramos científicos da psicologia... discordo. a psicologia social é mais sociologia do que outra coisa. digo eu, com os nervos. no resto, grande abraço. perguntinha avulsa: como farias um coelho com castanhas? e que «palheto» para o acompanhar.
Bem a psic.social é das poucas psis em que uma hipótese e a sua verificação podem ser experimentadas por pessoas diferentes em regiões diferentes do globo , chegando ao mesmo resultado.
Coelho com castanha? Já está muito calor, mas é uma boa escolha.Sugiro uma vinha de alhos ao não-mixomatoso; depois é salteá-lo em cebola e alecrim ( juntamente com a vinha). As castanhas podes entalá-las previamente com meia folha de louro e juntá-las à frigideira. Pessoalmente, enfeitaria o aroma ( e a vista) antes de ir para mesa com duas folhas de hortelã. Tinto: Um Ermelinda Freitas, palmelão novo e catita ( e barato) , por exemplo.
Boa tarde Filipe, Não gosto de me alongar nas caixas de comentários. Mas desta vez vou ter que o fazer face à extensão do seu texto e questões (várias ) que aborda. Para já fico-me pelo ponto 1) e na questão dos condomínios, exemplo que gosta de usar apesar de poder ser redutor. Quanto aos 2 ex. que indica, o de um prédio com administradores e o de outro em que o pai é dono de todos os apartamentos ... há toda uma diferença. E até falo com algum conhecimentode causa ( condomínisticamente falando :)) 1. No 1º caso cada condómino comprou o seu apartamento ( ou seja usou o seu dinheiro ) através de um contrato e participou na definição do regulamento e eleição da administração. O seu voto tem em conta a permilagem da suafracção ( ou seja não é uma cabça um voto ).Poderá fiscalizar as contas do prédio e a actvidade dos administardores. Isso impede que seja enganado pelos administradores ? Não mas tem ao seu dispor meios para que tal não aconteça. 2. No 2º caso há só um proprietário que ofereceu aos filhos ou os aprtamentos ou o usufruto. Se foi o 1º caso habituou mal os filhos que assim não saberão o que custa ganhar a vida e estarão à espera que o pai morra para depois se zangarem todoa nas partilhas. Se foi o 2º (usufruto ) não têm voto na matéria : a propriedade não é de cada filho mas sim do pai que definirá o regulamneto como bem quiser e será sempre eleito presidente ( tipo Fidel de Castro ) Daí aquilo que eu lhe dizia há uns dias noutra caixa de comentários : há uma diferneça entre democracia e ditadura. Um abraço
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