UM DIZ MATA, A OUTRA ESFOLA: Depois de mais um período de gestão do silêncio, os gloriososatiraram-se a mim. A propósito do artigo The Literal Left que aqui publiquei, JPH acha que as palavras dos políticos devem ser escrutinadas à letra. Eu não estou em desacordo.
Mas escrutinar é também interpretar, perceber as limitações das informações que lhes serviram de base. Estas informações são muitas vezes recolhidas (sobretudo em estados ditatoriais e fechados como o Iraque) com base em testemunhos de terceiros, em indícios e através de cruzamento de dados. Pode acontecer que as informações acabem por estar erradas.
Se, no entanto, recapitularmos os indícios, talvez percebamos porque certas ideias se formam nos espíritos (partindo do princípio básico de que estamos todos de boa fé): um ditador comprovadamente gaseia o seu povo, ou seja, utiliza armas de destruição massiva - não há muitos registos de actos idênticos em outras partes do mundo. Forçado, aceita inspecções ao seu arsenal. Subitamente, quando o mundo está distraído, expulsa os inspectores da ONU e mostra-se pouco colaborante com novas inspecções. Faz encobertas aproximações a sinistros personagens como Kim-Jong-Il e Bin Laden. Não é um pano de fundo muito relaxante.
Mesmo o argumento definitivo de que não foram encontradas as ditas armas tem de ser visto com cuidado: sobretudo as armas químicas são muito fáceis de esconder ou dissimular entre material perfeitamente anódino e de uso civil. Por isso, entendo que permanecer agarrado a uma discussão de há meio ano atrás, esquecendo o que de positivo aconteceu - acho que estamos de acordo que a queda do regime foi um facto positivo - e minimizando as oportunidades criadas é uma posição de revanchismo argumentativo. Que pouco valor acrescentado traz à comprensão do que hoje se passa no Iraque.
Num registo mais irónico, para que nem tudo se perca e para darmos bom uso ao ímpeto escrutinador dos nossos amigos gloriosos, permitam-me um pequeno pedido, em nome da equidade argumentativa: o de escrutinarem à letra as 12.000 páginas do relatório que Saddam apresentou às Nações Unidas sobre o material de fabrico de armas de destruição massiva. São com certeza 12.000 páginas fiáveis e onde, estou convicto, em todas e em cada uma delas moram a Precisão e a Verdade. Lá mais para o Verão, quando terminarem a extenuante tarefa, voltamos a falar sobre o assunto.
Quanto às acusações/insinuações de candura e à comparação com o Bonanza, tendo em conta o espírito natalício da época em que entramos, tomá-las-ei como um elogio (sobretudo porque vindas de um amigável e compreensivo espírito agreste). Só não aceito o epíteto de inflamado. Se há coisa que muito raramente me acontece é inflamar-me. Terei certamente muitos defeitos, mas não faltarei à verdade se afirmar que normalmente me tento comportar como um ser razoável e sereno.
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