A ROSCA MOÍDA: Grande parte dos comentários políticos na blogosfera (Mar Salgado incluído) têm por apóstrofe implícita "cuidado com o teu telhado!".
Trata-se, na verdade, de um estratagema retórico que consiste em abdicar da crítica das coisas em si mesmas para apontar uma situação paralela, que se define como análoga, onde o contendor presente terá (ou terá tido) uma posição incoerente com a que agora defende. Por cada Hitler há um Estaline, por cada terrorista palestiniano há um Sharon, por cada Guantanamo há um Fidel, por cada artifício financeiro de Ferreira Leite há um défice oculto de Pina Moura.
Faz lembrar as discussões sobre futebol às 4 da manhã (às vezes antes): não te queixes da roubalheira de hoje, porque em 1987 o Eufrásio Pilheto apitou aquele penalty inexistente que vos deu o campeonato. E este tipo de argumento leva a não discutir a roubalheira de hoje para passar a discutir a acção do Eufrásio Pilheto, ou, na melhor das hipóteses, a questão de saber se se as duas situações são de facto semelhantes.
Os objectivos do estratagema podem ser vários: do estulto "não somos piores que vós", passando pelo cínico "somos só um bando de moscas diferentes", até ao paranóico-conspirativo "verão como se dará um outro nome a um evento igual".
Claro que a denúncia do enviesamento e da incoerência é importante; mas a controvérsia não pode reduzir-se a isso. Por três razões.
Em primeiro lugar, porque provoca uma desertificaçãoo da discussão, tornando-a desinteressante e, sobretudo, estéril, na medida em que a afasta da substância do tema proposto.
Em segundo lugar, porque quem faz essa denúncia tem também, via de regra, uma visão enviesada do problema, o que provoca um jogo de espelhos e uma espiral de verbosidade cada vez mais inútil e de onde é progressivamente mais difícil de sair.
Em terceiro lugar, e decisivamente, porque obriga a um contínuo e fatigante exercício tendente a mostrar a disparidade das situações que o outro definiu como análogas.
Por isso, a menos que se acredite ser-se o Grande Desmascarador e se faça disso a missão da vida, talvez fosse produtivo discutirmos uma coisa de cada vez: hoje, as roubalheiras de hoje; amanhã, a exibição do Eufrásio Pilheto em 1987.
PS: Não sei se vim "meter a colherada" a meio de uma conversa alheia, eructando este bouquet de coisas "sem sentido". Pareceu-me uma coisa inócua: espero estar no bom caminho. Se assim não é, as minhas desculpas ao nosso VLX.
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